De uma vez
Ou “de uma vez por todas”. Há, em
Portugal, um Dicionário de Expressões
Idiomáticas (Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1990), que define esta
expressão como sinônima de “definitivamente, de vez”. Interessante é a posição
da preposição “de”, visto que, por definição é “palavra gramatical, invariável,
que liga dois elementos de uma frase, estabelecendo uma relação entre eles”.
Neste caso, a preposição não está
ligando palavras, mas indicando, por meio do numeral "uma", que a "vez" é única, é somente uma:
de uma vez. Daí o dicionário dos patrícios portugueses, nossos irmãos, indicar
“definitivamente, de vez”. Creio que aqui se trata de uma locução prepositiva.
Interessante (II), também, quanto
ao uso, neste caso, de uma conjunção na típica expressão acreana, frequentemente ouvida no Correspondente Difusora, na Rádio
de mesmo nome. Este é um programa de recados urgentes, transmitido a pedido dos
ouvintes, quando querem contatar parentes, amigos ou recados pelos caminhos da
selva, rios, ramais e igarapés, na rota de acesso até suas casas: “como sem falta”. Creio que aqui se trata de uma locução conjuntiva.
O destaque é que basta dizer “sem
falta”, que ficará clara a urgência e pedido apelativo em último termo. Mas o
acréscimo de “como” indica a modalidade solicitada de como o recado, a pedido,
deve ser transmitido. Tudo isso para engrenar no texto que segue.
De novo, a Bíblia tem algumas
expressões, tipicamente relacionadas à sua mensagem principal, ligadas ao
significado de “de uma vez, definitivamente, de vez”. Explico. O Livro aponta
para a realidade de que, de uma vez por todas, Cristo ofereceu-se a Deus como
vítima e sacrifício pelos pecados da humanidade, cada qual, individualmente
visados.
Hebreus, nome da carta anônima, apontada
como uma das Epístolas Gerais do Novo Testamento, reiteradamente adverte de que
Cristo é sacerdote que se oferece a Deus, de uma vez por todas, pelo pecado,
não mais sendo necessário pagamento do preço dessa dívida, uma vez que alguém
considere paga sua parcela de culpa diante de Deus. Definitivamente.
Essa ideia gera alguns problemas
diversos para alguns:
1. Os que argumentam
que, de última hora, no afogadilho, alguém que se considera culpado,
arrepende-se. Ou seja, foi canalha e cínico durante toda a sua existência, ou
maioria dela e, diante do medo da morte, por exemplo, resolve tornar-se
cristão. O erro aqui é desconhecer a natureza do que a Bíblia denomina
“arrependimento”. Pois é resultado de um estado de espírito que, ao homem, não
será possível nutrir, a não ser que uma “tristeza segundo Deus” o alcance. Paulo
Apóstolo assim define, assim como diz que é “a bondade de Deus (e não a nossa)
que nos conduz ao arrependimento.” Portanto, quando ele ocorre, pode enganar a
mim ou a você, se não for autêntico, mas não engana Deus. E quem se arrepende não vira 'santinho' de hora para outra, mas reeduca-se, pois aceita em si que o Espírito Santo de Deus seja seu parceiro, na luta contra si mesmo.
2. Os que insistem em
dizer que, para pecados, será necessário pagar a dívida acumulada. Sejam
penalidades ou castigos ou que compensação, mas será necessário saldar a dívida
e não será instantaneamente que isso ocorrerá. Como que demandasse uma obrigação de sofrimento, em troca, que punisse o pecado perpetrado. Aqui desconhecem, também e mais
uma vez, a natureza do arrependimento bíblico, pois a Bíblia o associa à
mudança de caráter, milagre de Deus, mesmo porque, sendo que o homem é
essencialmente mal, permaneceria em qualquer condição pecador e nenhuma
compensação humana poderia repor o contínuo desfalque e prejuízo da culpa. Nas línguas originais da Bíblia, o verbo hebraico shub, voltar, virar, mudar o curso, retomar, e o substantivo grego metanoia, mudança de mente, referem-se a
voltar para Deus e ter, por Ele, mudada a mentalidade, a vida toda, uma nova criação, barah, no hebraico, a partir de Cristo como matriz.
3. Um diferencial
específico para a Bíblia diz respeito ao conceito de graça de Deus, pela qual a
compensação da culpa reside em Cristo, definitivamente, no ato de Sua entrega a
Deus como sacrifício pelo pecado, ato contínuo no arrependimento individual de
quem aceita para si essa entrega. De modo geral, as religiões apontam para uma
compensação que diretamente incide sobre quem cometeu o mal. Na Bíblia, ela
recai sobre Alguém em lugar de quem cometeu o mal. A polêmica reside aqui,
nesta distinção, pela crença corrente de que ‘aqui se fez, aqui se paga’, ou
que há uma lei, semelhante à 3ª lei de Newton, ‘a toda ação corresponde uma
reação de igual intensidade’. Paramos por aqui. Exatamente aqui se distingue a
religião, ou melhor, a proposta de fé da Bíblia.
A toda e qualquer ação do homem não
corresponde uma reação, porque para o mal não há remédio e nem compensação. Para
a Bíblia, como diz Paulo Apóstolo, vence-se o mal com o bem. E, sumo bem, Deus
fez recair sobre Cristo o mal de cada um.
A questão sensível dessa polêmica é que
pensamos, primeiro, na falta dos outros. E, é claro, quando a culpa é do
vizinho, vingança nele. Mas, quando a falta é minha, peraí, tem um perdãozinho aí? Outra questão é a avaliação da proporção da falta: 'grandes' pecados, penalidade maior, 'pequenos' pecados, penalidade menor. Mas salta a pergunta: 'grande' ou 'pequeno' para quem, cara-pálida? Com que critério de avaliação?
Uma das sentenças populares e
transmitida, nos tempos da igreja primitiva, de cristão a cristão, com relação
a Cristo, síntese da fé lá pelos idos do séc. I, era ‘que foi entregue por nossos pecados e
ressuscitou para nossa justificação.’ Em nossa compreensão nunca vamos entender
duas coisas:
Como (1) pode recair sobre Cristo o
pecado de outrem e cada um e (2) de que modo pode servir esse ato de Deus como compensação,
sem que esse próprio culpado receba em si a penalidade. Pois é, trata-se da
graça de Deus. A Bíblia é o Livro que, por todas as suas bordas, transparece,
transmite e transborda da graça de Deus.
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