quarta-feira, 1 de abril de 2015


  O essencial e o efêmero

         Permanentemente em conflito. Do seguinte modo: a busca do ser humano pelo essencial confirma que prevalece o efêmero. Dizendo de outra forma, o efêmero é o essencial. Já nos dizia o Pregador, o Cohelet, do Eclesiastes que, no original hebraico tem exatamente esse título (ainda escrito qohelet ou kohelet): Tudo é vaidade e correr atrás do vento, cita uma das versões.

              Haroldo de Campos, de modo magistral, traduziu do hebraico sua própria versão do O-que-sabe, assim denominado por ele o, por ele grafado, Qohélet: Névoa de nada / Disse O-que-sabe // névoa de nadas / tudo névoa-nada (Eclesiastes 1:2). E segue, em 2:3, outra pérola de sua tradução: Que proveito / para o homem /// de todo o seu afã // fadigas de afazeres / sob o sol.

             Parece, então, que o efêmero se confirma sobre o que parece ser essencial. A busca do homem parecer ser mesmo pelo essencial. Pelo menos se rende ou se entrega, aparentemente, a essa busca, cada qual apressando para si mesmo o que aos próprios olhos considera que deve ser seu e sua identidade. Se for o dinheiro, assim será. Se for o poder, vai precisar, junto, do dinheiro. Se for fama, terá de juntar em si os três. Efêmero, porém: uma vez no cemitério, seja cova rasa ou mausoléu, dentro, a essência será a mesma e a efemeridade estará confirmada.

           Paulo, o apóstolo, também dono de vasta filosofia que, de certa feita, na carta 1 Coríntios, escreveu, expressando-se de forma irônica, ser necessário mostrá-la, em determinadas circunstâncias, aos 'sábios' e 'entendidos' do presente século, daí ter escrito, mais ou menos assim que, se a nossa esperança se limita, apenas, a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens.

           Concordando com O-que-sabe, creio que Paulo quis mesmo afirmar ser nossa existência 'correr atrás do vento', uma vez que a limitemos às expectativas, apenas, circunstanciais a esta existência. A tradução desse trecho de Eclesiastes 2:17, feita por Haroldo de Campos, que a versão 'Revista e Atualizada' da SBB traz 'correr atrás do vento', nela afirma o Qohélet: Eu odiei / a vida // pois para mim é ruim/ a obra / que se faz / sob o sol /// Pois tudo é névoa-nada / e fome-vento.

            Conferem Paulo e Qohélet, avaliando que o essencial à vida, ou na vida, foge à percepção humana ou à sua capacidade de atinar com o próprio valor que a chance de viver confere a quem passa por essa fugaz experiência. Sem dúvida, vamos encontrar nas palavras de Jesus uma mesma advertência, ou melhor, várias advertências quanto à percepção do que, na vida, é essencial.

              Pelo menos em três ocasiões Jesus, como sempre, surpreendeu todos à volta, apontando, aos olhos desses circunstantes, algo que era essencial e lhes fugia à percepção. Diante de Nicodemos, Jesus falou que, uma vez não nascendo de novo, seria impossível, ao menos, ver o Reino de Deus. E, para confirmar a necessidade desse 'novo nascimento', repetiu a Nicodemos que, depois de já velho, para entrar no Reino de Deus, se fosse desejo dele (ou de qualquer outro), seria necessário nascer da água e do Espírito.

             De outra vez, Jesus disse que era necessário a qualquer que fosse 'converter-se e tornar-se como criança' para entrar no Reino dos Céus que, para Mateus, equivale a Reno de Deus. E o Evangelho de Lucas registra a vez em que Jesus afirma que o Reino de Deus está (ou não está) 'dentro' e que não é possível vê-lo ou constatá-lo fora, ou seja, em visível aparência. Era rotina para Jesus fazer referência ao que era essencial.

              Diante da efemeridade da vida, é essencial ao homem atinar com o que Jesus tem a dizer sobre a vida. Jesus dá sentido à vida. A Bíblia gira em torno da revelação de Jesus e do que Ele tem a dizer sobre a vida. Por isso, entre as coisas que Jesus diz, é essencial atentar para essa realidade, a realidade do Reino de Deus, que significa, nada mais, nada menos, do que ter Deus habitando no homem, ter Deus habitando em nós. Mas, para tal, é necessário nascer de novo. O DNA original não inclui pertença ao Reino. Somente o nascimento segundo Deus, gerado por Deus, mediante a fé em Jesus, garante entrada no Reino, garante pertencer ao Reino. Isso é essencial.

               Num sentido, poderemos até dar razão ao Qohélet, porém atentos ao que Paulo diz, que não nos apeguemos, apenas, a esta vida. Aliás, omiti uma palavra do versículo de Paulo aqui citado, quando diz que 'se a nossa esperança em Cristo se limita, apenas, a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens'. Mas esperança em Cristo, para ser, verdadeiramente, esperança, não se limita, apenas, a esta vida. Encarar Jesus apenas como um-exemplo-para-a-humanidade, ou qualquer outro clichê, omite a principal mensagem da Bíblia: veio para que tenham vida, diz Jesus em João 10:10, e especifica que é eterna, plena, já nesta existência, desde sempre.

            E quem vive Cristo, nesta vida, tendo Deus habitando em si, vendo e dentro do Reino, não sabe, não sente e nem vive vida efêmera. Passageira, nesse sentido, rápida demais, até que ela é. Mas tem, sim, sentido, porque é começo e tem qualidade de eternidade.

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