Certa vez um “doutor da lei” abordou Jesus, a fim de o pôr à prova (cf. Lc
10.25-28). Queria apanhar Jesus num deslize qualquer e perguntou ao Mestre qual
era a síntese de toda a lei. Jesus, inteligentemente, mexendo com a vaidade dele,
recorreu ao terreno de pugna do outro, remetendo-o às Escrituras: “como a
interpretas”, perguntou Jesus. O homem discorreu, respondendo: “Amarás o
Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças
e de todo o teu entendimento”, e concluiu: “Amarás o teu próximo como a ti
mesmo”. Jesus fechou questão, desafiando o homem: “Faze isto”. Este desafio de
Jesus aplica, como norma humana permanente, o amor ao próximo. Pois respeito à
posição contrária do outro está inserido no contexto desse amor.
Na questão de sustentarmos como nosso qualquer conceito bíblico, neste
caso aquele referente ao modelo bíblico de casamento, não devemos encará-lo
como obrigação, nem para nós e nem para os outros. Conceitos bíblicos são dádivas
aos homens e assumem-nos quem e quantos assim desejarem. Os que assumirem,
fazem-no pela fé que professam, julgando assim estar fazendo o que encaram como
mandado de Deus para si e sua resposta em obediência a Deus. Os que entendem
diferente, que ajam em acordo com suas convicções.
O que não pode ocorrer é que se julguem no direito de se acusarem
mutuamente. A própria Bíblia, no Sermão do Monte, indica palavras de Jesus,
afirmando que não devemos julgar uns aos outros, Mt 7.1-5 (ver também Rm 2.1),
mesmo porque todos, sem exceção, somos, diante de Deus, pecadores (cf. Rm 3.23).
O conceito bíblico de pecado é detalhado e suficientemente amplo para diagnosticar
todos nós, colocando-nos em igual condição, diante de Deus, deparando Jesus como
único meio de salvação e modo de acesso, pela graça, a Deus (cf. Rm 5. 1-2).
Portanto, devemos seguir o que a nossa consciência, uma vez iluminada pelo
Espírito Santo, indicar. E também nos preocuparmos conosco mesmos, cada um
consigo, no seu propósito de cumprir (ou não) o que a Bíblia indicar.
5. Conversão como fruto do amor
A Bíblia, como palavra de Deus aos homens, assim considerada pelos
cristãos, tem como objetivo principal revelar o amor de Deus. Esse amor está a
serviço do homem, no sentido de Deus ter concedido que Jesus Cristo, filho de Deus,
morresse na cruz pelos pecados, individualmente, de cada homem e mulher, quer dizer, toda e qualquer pessoa. Essa é
a prova completa do amor de Deus pela humanidade (cf. Rm 5.8, Jo 3.16).
Resumidamente, este é o específico da Bíblia.
Aceitar o amor de Deus, segundo a Bíblia, por causa da condição geral de
todos os homens, pecadores diante de Deus, implica a conversão da condição de
pecador para Deus. E o que é ser pecador? É ser contra Deus, contra si mesmo e
contra os outros. O primeiro e básico problema é que não é simples, natural ou
óbvio para homens e mulheres considerarem-se a si mesmo pecadores. E o que é
conversão, no sentido bíblico? Perda total, segundo Paulo (Fl 3.8-9), e segundo Jesus
(Mc 8.34-35). A conversão é pessoal, radical, somente possível por ação direta de
Deus, no ser humano em geral, por opção consciente deste, significando, repetimos aqui,
perda total, único meio de regeneração do problema do pecado.
Há, pelo menos, três figuras bíblicas para se entender o que, em sua
radicalidade, significa conversão. Antes de indicá-las, uma advertência: embora
usemos aqui a palavra figura, trata-se de realidades palpáveis, ou seja, figura aqui
não significa metáfora. Segundo a Bíblia, conversão é: (I) morte/ressurreição em Jesus Cristo; (II)
novo nascimento pelo poder de Deus; (3) circuncisão, que é uma cirurgia sem anestesia, realizada pela
mão de Deus (cf. Rm 2:28-29). Esses três aspectos implicam em perda total. Paulo
afirma, no texto citado acima, “considero tudo como perda, por causa da
sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual perdi
todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele,
não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo
Jesus, a justiça que procede de Deus, baseada na fé.” (Fp 3.8-9). Nem o “orgulho
gay” ou a falsa “piedade cristã” são maiores do que isso.
Conclusão
O respeito a posições radicalmente contrárias está, obrigatoriamente,
contido no mandamento do amor. De parte a parte, grupos que defendem o modelo
bíblico de casamento e, coerentemente, o praticam, devem respeitar aqueles que
defendem outras modalidades de união conjugal. Cada parte assumindo, diante de
si mesmo, dos outros e de Deus suas escolhas. Há necessidade de cessarem as
discussões ofensivas acusatórias nos meios de comunicação. Assuntos que
comportam em sua temática itens que são de foro íntimo devem ser tratados de
modo criterioso, pois até mesmo Jesus respeitava a decisão íntima das pessoas,
quer ele concordasse ou não com elas.
Ainda sobre a denominada “cura gay”, desejo comentar que, do mesmo
modo que existem pessoas que, declaradamente, após um período de vida com
comportamento heterossexual, assumiram e declararam que “saíram do armário”,
assumindo sua homossexualidade, o mesmo direito têm não poucos homossexuais
que decidiram, muitos deles declarando-se autenticamente convertidos a Jesus,
deixar sua condição homossexual para uma vida de união conjugal heterossexual.
Ambos têm o mesmo e igual direito. E apenas outra observação: eu também não
acredito na “cura gay”. Conversão a Jesus é totalmente diferente, pois é milagre de
Deus, com autêntica e inconfundível assinatura, pelas marcas de Jesus, no ser
humano. E somos convertidos por amor e para amar.
“To Love another person, is to see the face of God”, fala do personagem de
Jean Valjean, na cena final de Os Miseráveis (romance de Victor Hugo, adaptado
para o cinema), que traduzido é: “Amar outra pessoa é ver a face de Deus”. Outra
maneira de dizer o que João falou em 1Jo 4.20: “Se alguém diz amar a Deus e odiar a
seu irmão, é mentiroso: quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a
Deus, a quem não vê”. Como disse Jesus ao doutor da lei: “faze isto” (Lc. 10.28). Só o
poderemos realizar como fruto do Espírito, debaixo do poder de Deus.
Muito Legal ter um blog amigo para nele meditarmos.
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