Brincadeira. Mas é esse mesmo o nome. Trata-se do sobrinho do profeta. Localizamos numa vila, próxima a Jerusalém. Segue a entrevista com ele. Conviveu com seu tio ainda garoto, quando estava em Babilônia, antes de regressar a sua terra com a família.
Revista Nova Sion: Shalom, Yitziqel. Muita alegria poder conversar com você. É como se estivéssemos falando com o seu tio.
Yitziqel: Alegria para mim. Ele é irmão de minha mãe. Convivemos por muito tempo, principalmente depois da morte de sua esposa.
Nova Sion: Você ouvia muito de suas histórias?
Yitziqel: Todo o tempo. O ministério dele foi muito baseado nas visões que teve, que Deus lhe proporcionou. Ele as contava. Via seus olhos brilharem, quando contava. Como se olhasse além, como se as estivesse, ainda, vendo.
Nova Sion: Sim. É fantástico. Mas ele as escreveu.
Yitziqel: Sim, escreveu. Eles têm essa compulsão. São movidos a escrever. Mas quem as ouve, também, como que se transportam pelas mesmas visões. Meu pai, Itzaquim, foi um dos que o motivaram a fazê-lo.
Nova Sion: Diga para nós como foi ouvir dele, pelo menos, a primeira visão, aquela que abre o rolo que ele escreveu.
Yitziqel: Essa visão o acompanhava. Era como uma legitimação de sua vocação. Vez por outra, como ele mesmo menciona no livro, ela se repetia. Como se fosse um referencial de autenticidade para o ministério dele.
Nova Sion: Sim. Um leitor atento do rolo que ele escreveu percebe isso. Como era a descrição que ele fazia? Você ouviu dele?
Yitziqel: Mais de uma vez. Vez por outra, ele voltava a ela. Para ele, foi como se o próprio Altíssimo lhe aparecesse. A situação do povo de Israel era deprimente. Foi um milagre sobrevivermos.
Nova Sion: Você acha que a posição de sua família, seu tio, ligado ao sacerdócio, quer dizer, ele mesmo um sacerdote, ajudou nessa situação, facilitando a sobrevivência de vocês?
Yitziqel: Sem dúvida. Sem dúvida. O tratamento dado aos sacerdotes e a famílias de levitas, talvez por algum tipo de instinto ou superstição foi menos agressivo. Eles, os babilônios, também reconheciam que, uma vez tendo preservado um restante de povo, como ďizia o profeta Isaías, um restante fiel, seria útil a eles a liderança religiosa de Israel, uma vez que ajudaria no controle do povo instalado em Babilônia.
Nova Sion: Como foi com seu tio logo que lá chegaram?
Yitziqel: Ele foi na segunda leva. Quando chegou, resolveu deixar de lado os privilégios de sua classe e decidiu assentar-se em meio aos exilados, para conhecer de perto sua realidade. Jeremias, que também era de família sacerdotal, profetizava em Jerusalém, assim como Daniel era uma referência junto ao governo Babilônico, também profeta e fator de equilíbrio no trato das autoridades com o povo exilado.
Nova Sion: Como era o relacionamento de seu tio com os falsos profetas?
Yitziqel: Na verdade, os textos escritos pelos profetas é que denunciavam esses outros profetas, que eram maioria, como falsos. Havia perseguição contra eles, quer dizer, contra os que depois se revelaram verdadeiros, porque não davam crédito a sua mensagem. Esperavam um milagre, que nunca aconteceu: livrar Jerusalém e o templo da ruína. E ainda usavam o rolo de Isaías, lembrando da intervenção de Deus no livramento contra os assírios, no tempo de Senaqueribe, como desculpa.
Nova Sion: Então, seu tio estava era com a minoria? (risos)
Yitziqel: Óbvio! Ele, Jeremias e Daniel. Aliás, houve a famosa carta aos exilados, escrita por Jeremias. Provocou o maior tumulto. Naquela época, ainda na virada do séc VII para o VI, eles ainda acreditavam que a situação seria revertida. Nabucodonosor colocou Jeoaquim como seu testa de ferro em Jerusalém, um rei que tentou matar Jeremias e chegou a matar o profeta Urias. Findou promovendo uma rebelião que, uma vez concretizada, levou Babilônia a retirá-lo do trono, provocando o cerco e a segunda leva, na qual veio meu tio. E o rei acabou morrendo antes mesmo de qualquer confronto, como Jeremias profetizou. Assim mesmo a popularidade dos falsos profetas era grande. Mas Jeremias os desmascarou.
Nova Sion: Seu tio fechava com Jeremias?
Yitziqel: É claro! (risos) Mas vou lhe dizer: quanto sucesso essa gente faz. Como manipulam o povo. E eles aceitam, com a maior facilidade. Lembrei agora uma cena notável: estavam reunidos com meu tio um grupo de lideranças do povo, entre elas levitas, sacerdotes e até alguns desses "profetas do povo". Sempre o procuravam porque, pelo menos intuitivamente, sabiam que ele era autêntico. Mesmo não concordando, queriam ouvi-lo. Foi quando um rapaz chegou correndo e gritando: "Caiu! Caiu! Jerusalém caiu!". Meu tio contando, disse que nunca mais esqueceria o olhar que todos lançaram a ele. Aliás, ele registrou isso no rolo que escreveu. Porque viviam dizendo que a cidade resistiria. Que o exílio duraria 2 anos. Foi uma decepção total.
Nova Sion: Mas Yitziqel, conte-nos da visão.
Yitziqel: Ver meu tio referir-se a ela era fantástico. Como se, através de seu olhar, nós mesmos a víssemos. Aliás, ele também a descreve no rolo que escreveu. Ele disse que estava deprimido entre os exilados. As imagens que via, às margens do Quebar, eram muito deprimentes. Mal alojados, estavam às margens do rio por causa da facilidade das águas. As condições de higiene eram muito ruins, enfim, as condições gerais de acomodação. E foi ali que viu a glória de Deus resplandecente diante de si.
Nova Sion: Descreva para nós, no modo como lhe contava.
Yitziqel: Nossa família, eu, minha mãe, pai e minha irmã ouvimos mais de uma vez. Ele dizia que foi repentino. Em meio a toda aquela tristeza, a um lado e outro, muito triste e choroso. Ele olhou na direção da calha do rio, quando divisou uma forma de tempestade. Ela evoluía, como se fosse a chegada de uma borrasca normal. Mas foi ganhando uma forma e uma proporção bem estranha. Um ou outro, por ali, mirava meu tio e procurava, no horizonte, o que lhe chamava atenção. E nada viam. Logo deduziram que, como ele mesmo escreveu, estava tendo uma visão de Deus.
Nova Sion: Uma curiosidade nossa, de muita gente também, é como se dão essas visões. Exatamente o estado de quem as recebe.
Yitziqel: A gente nunca teve essa curiosidade. Acho que é porque tratávamos com muita reverência o que ele nos contava. A gente achava assim que, se ele não entrou em mais detalhes, era porque não devíamos perguntar mais nada.
Nova Sion: Mas continue descrevendo, do modo como seu tio lhe contava.
Yitziqel: Pois então, a nuvem, ele contava, vinha evoluindo em sua aproximação, diante dos olhos dele. Como que enxergava o que era invisível. Havia relâmpagos, sim, mas dentro, a partir do centro, do interior dela, uma resplandecência contínua, um foco contínuo como se fosse fogo resplandecente. Formava um arco de luz, como se fosse um arco-íris. Foi quando ele avistou como que anjos, a partir de quatro posições, como se fossem quatro cantos, e tinham duas asas, quer dizer, dois pares de asas. Ligavam-se, entre si, os quatro, como por mão que lhes saía pelas extremidades das asas. Com o outro par de asas, voavam. Mas era como se, ao mesmo tempo, fosse cada um para a sua direção, como que ampliando, expandindo aquele espaço virtual, num plano, em forma de quadrado. E debaixo dê si tinham, cada um, como que dois círculos, na verdade, duas rodas, uma para para cada um deles, uma dentro da outra, evoluindo com eles, como a dirigir-lhes o movimento. E também tinham quatro rostos. Eram anjos, sim, mas com essas aparências estranhas e assustadoras. Os rostos representavam a altura e elevação das águias. O reinado terrestre dos leões, entre os animais. O sustento e labor humanos, assim como a simbologia da imolação e do sacrifício, na imagem do rosto de boi. E o quarto e último era a cara de um homem. Meu tio dizia que interpretou como as quatro características do Messias: Aquele que vem do alto, tem cara de homem, porque é homem, é o Leão da tribo de Judá, porque há de reinar sobre a terra e, finalmente, tem rosto de novilho, porque, como escreveu o profeta Isaías, será entregue como sacrifício por todo o povo.
Nova Sion: Só de ouvir, estamos arrepiados. A gente pode ler, no rolo que seu tio nos deixou. Mas ouvir, como que confirma toda a palavra escrita, como se ela estivesse cumprindo o propósito para o qual foi escrita, que é ser compartilhada e conduzir à fé.
Yitziqel: Sim, sim. Isso mesmo. Para esse propósito meu tio escreveu. E, finalmente, ele registrou o ápice da visão. Como que um homem, a partir do centro de toda a nuvem, uma plataforma infinita, como se fosse um mar de águas transparentes, petrificado como numa lâmina de gelo, erguido por sobre nossas cabeças, assim, infinito, por dentro das nuvens, acima da cabeça dos quatro anjos. E no centro havia um torno, e a voz que dele saía dirigiu-se a meu tio. Ele disse que, se não fosse a autoridade dessa voz, assim como o efeito cênico dessa visão, ele jamais seria um profeta.
Nova Sion: Então foi sua vocação. Foi a confirmação do seu chamado.
Yitziqel: Sim. Meu tio diz que jamais se sentiria investido de autoridade, se não fosse essa experiência que ele vivenciou. A situação do povo era por demais degradante. Os que eram, verdadeiramente, sacerdotes, sentiam-se humilhados, fracassados. É que achavam como que por culpa sua, guardiães que eram do culto, do ensino, Kadosh Adonai, santidade ao Senhor, a devastação que aconteceu com a nação, em três levas, sempre esperando um milagre que não veio, achavam que Deus abandonara, definitivamente, o povo, e que a culpa era toda deles. Perderam terra, templo e rei, tudo arrasado, as Lamentações do profeta Jeremias dão uma pálida ideia do que, na realidade, foi. E meu tio escolheu assentar-se entre a parcela de povo mais carente, mais marginalizada, assentado que estava entre os exilados.
Nova Sion: Então, sem dúvida, tudo aquilo foi como se fosse, somente, para vocacioná-lo?
Yitziqel: Não somente, mas principalmente. Porque o ministério de meu tio caracterizou-se por várias visões. Essa primeira, como que foi uma prévia do que seria. Deus manifestou, logo de início, a sua glória e autoridade, para deixar claro duas coisas: (1) não havia abandonado o povo. Sua glória não daria a outro; e (2) esse recado seria dado por um seu emissário. Deus se comunicava com o homem e havia escolhido quem fosse seu intermediário e era o meu tio. Impressionou a ele ser assim comissionado e ainda, na visão, a ordem de comer o rolo. Isso, segundo ele disse, indicava o seu preparo para cumprir sua vocação. Como disse a voz que ouviu, quer cressem ou não, justos e injustos ouvissem, arrependendo-se ou não, saberiam que, entre eles, estava presente um profeta de Deus. Um verdadeiro, autêntico profeta de Deus.
Nova Sion: Muito grato, Yitziqel. Ouvir você, é como ouvir seu tio. Aliás, seja lendo o rolo por ele escrito, ouvindo ou compartilhando o que escreveu, é como se estivéssemos revendo a mesma visão, enxergando Deus em sua glória, sendo investidos de Sua autoridade. Você concorda?
Yitziqel: Assim meu tio dizia. Que havia escrito, para conservar e divulgar essa palavra, com esse efeito. Olhava para mim e dizia que não era só um nome herdado mas, principalmente no nome do Senhor, quer dizer, já que eu herdei dele o nome, que eu também me considerasse um profeta, revestido de autoridade. Aleluia! Ele costumava dizer que havia profetas porque, no fundo, Deus queria que todos lHe fôssemos profetas.
Nova Sion: Muito gratos, Yitziqel.
Yitziqel: Foi grande alegria compartilhar com vocês essas memórias. Shalom Adonai. E também Kadosh Adonai. (risos)
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