sábado, 14 de abril de 2018

Histórias do Acre

    Um dia no sindicato em 1977

     Meu amigo e irmão, Oseias, neto de missionário e filho de pastor, foi sindicalista de verdade nas décadas de 1970 e 80 em Cruzeiro de Sul.

     Era 1977, anos de repressão, quando ele advertiu o pessoal de que resolveria o problema da gasolina que, naquela época, chegava pela chata ao Juruá.

     Havia um monopólio. Eram três donos, citados por ele nominalmente, porém pedido que ficassem aqui anônimos. E para não dizer que não, ele batia mesmo de frente.

     Foi homem de andar com, até, 11 seguranças por aquelas paragens, para não ser pego, espancado ou, quem sabe, pior. E o povo afluiu.

      Na praça central da cidade fizeram barulho. Ajuntaram-se, pela conta dele, uns três mil. Levavam até percussão, uns tambores que tiraram o sossego, até que chegou foi o exército.

     Era coisa de esquerda. Levaram-no ao pelotão. Ali o puseram num sofá, antesala do gabinete do Coronel. Um sentinela à porta, com fuzil. Mas a demora deu nos nervos de meu amigo profeta Oseias.

      Levantou-se, bateu à porta do Oficial, que respondeu "sim, o que é?". Abriu, respeitosamente pediu licença, para perguntar: "Por favor, por que estou mesmo aqui?". Puxa, respondeu o militar: o senhor é atrevido mesmo, hein.

     Não, prosseguiu meu amigo: se é prisão, me põe logo na grade. Aqui sentado e nem água tem. Argumentou o comandante que para ele seria prisão especial que, pelas regras, até o momento, não estava disponível.

     Comandante, quantos homens o senhor tem aqui? Ora, por que pergunta? Tenho 250. E eu tenho 3.000 lá na praça. E eles vêm me buscar. Vêm mesmo, perguntou o Oficial? Pode esperar.

     Ora, mas afinal, por que o senhor está preso? E Oseias contou a história do monopólio da gasolina, concentrada na mão de três, vendida exorbitante ao povo. O Oficial mandou chamar seu imediato, para conferir a história.

     Daí a 45 min ele voltou, com tudo confirmado. Havia, sim, estocada em vários lugares. Pois o Coronel mandou que se recolhessem os tonéis onde estivessem. Sim, mandou soltar nosso amigo.

      Dia seguinte, na porta do sindicato, centenas de tonéis de 200 l descansavam ali. O pessoal veio buscar o combustível para seus barcos e veículos. Uma meia sacola de dinheiro ficou para o sindicato, indica Oséias, ao rés do chão.

     Dia seguinte, após, sobrevoa Cruzeiro do Sul um avião da FAB: o "estado maior" veio conferir essa história toda. E o Ildefonso pôde construir seu posto de gasolina, impedido que estava, até esse dia, pelo truste dos demais.

      Esta é do tempo em que havia sindicato no Brasil. Esse Oseias ombreou com Lula e Wilson Pinheiro, este assassinado ainda antes de Chico Mendes.

   

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