Tradição judaico-cristã ou por algumas mandrágoras
Faremos uma comparação entre duas narrativas atuais e outras duas bíblicas. Os endereços das atuais estão indicados aí, abaixo, marcados por (1), (2) e (3). Vamos ao exercício proposto:
(1)
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/01/1732932-casais-de-3-ou-mais-parceiros-obtem-uniao-com-papel-passado-no-brasil.shtml
Antecipadamente,
peço perdão porque estas mal traçadas linhas serão ou pouco mais extensas do que as
anteriores. Quando se trata de academicismo rasteiro, ou seja, incompetência ou
má intenção proposital na discussão de assuntos que não são tão simples quanto
se quer que pareçam, costuma-se responsabilizar, numa penada só, a “tradição
judaico-cristã” por todos os males da humanidade.
Explica-se: a Bíblia é formada por dois blocos: o primeiro, de tradição
mais acentuadamente judaica, é o Antigo Testamento; o outro, de tradição
acentuadamente cristã, é o Novo Testamento. Pois são exatamente esses dois blocos responsabilizados
por essa praga moralizante, esse rescaldo, esse patrulhamento ostensivo da
História, com uma única intenção, dizem, estragar a festa.
Leitura equivocada do Livro, deliberadamente sem critério. Aqui abordo dois fatos que, para a
Bíblia, nunca foram novidade e parece que, nos dias atuais, deseja-se trazer,
de volta, ao costume. O primeiro deles ganha o nome atual de “união
poliafetiva”. Vou abordar aqui dois casos desse tipo bíblico de poligamia, o primeiro deles referente a Jacó, já
decantado em poesia por Camões, lembram: “Sete
anos de pastor Jacob servia Labão, pai de Raquel, serrana bela.” Já leram toda
a história? Já ouviram estes versos?
Pois Jacó, por amor a Raquel, também desposou a irmã, Lia, enganado que foi pelo tio Labão, pai das duas moças. Começou
entre as duas uma renhida disputa pela atenção e amor maior de Jacó, que não conseguia
esconder sua preferência por Raquel que, a princípio, era estéril. Resultou numa relação poliafetiva de um varão e
quatro mulheres, duas delas escravas dadas pelo sogro às filhas. Cada filha adiantava a Jacó sua serva, a fim de ganhar na provável quantidade de filhos homens nascidos. Por
mandrágoras, certa vez, Raquel alugou à Lia uma noite com o marido, um drible na agenda do revesamento das irmãs na intimidade com o patriarca.
Como resultado, a disputa entre as mães pelo ganho do pai gerou, entre os irmãos, ódios de morte. José, depois chamado “do Egito” só escapou à gana dos irmãos
porque o mais velho, Rubem, argumentou que seria feio que o matassem, ficariam mal na fita.
Venderam-no a mercadores na estrada para o Sul, enganaram o velho pai e só vão
reencontrar o irmão anos depois, quando careciam de alimentos para sobreviver.
Segundo caso de união poliafetiva, homem mais sábio que Jacó na condução de sua casa, foi Elcana, que
administrava a união com Ana e Penina. Esta “provocava excessivamente” Ana, a quem ela considerava rival, “para a irritar”, no linguajar bíblico. O que fez Elcana, o marido das duas?
Convocou uma reunião de família e deu uma dupla bronca? Não, era um homem
inteligente. Convocou a vítima e, indiretamente, recomendou-a a suportar a
ofensa da rival e lhe fez uma declaração de amor que poucos homens são capazes
de fazer e/ou sustentar coerentemente. Como a principal reclamação de Ana era
ser estéril, Elcana disparou: “Não te sou eu melhor do que 10 filhos?”. E olha que a mulher é a unica que pode atestar a validade de declarações como essas.
(2) http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ps-sp/2016/01/1730004-festas-com-nudez-e-sexo-permitidos-se-popularizam-em-sao-paulo.shtml
Com relação a outra moda em voga, a exposição pública do sexo também é abordada
na Bíblia, aliás, indicada por um fato curioso que envolveu uma briga de família. Absalão, que diz
a Bíblia ter sido um jovem belíssimo, de uma vasta e magnífica cabeleira,
pretendeu para si o trono de seu pai, o rei Davi. Garoto mimado desde sempre,
Davi, cavalheiresca e estrategicamente, retirou-se do palácio, com toda a sua corte, staff e
exército, deixando o caminho aberto ao rapaz.
Pelo sim, pelo não, Absalão irritadíssimo com essa postura inteligentissimamente light de seu pai, resolveu, no mesmo terraço do palácio, como ato (sexual) de provocação, proporcionar à Jerusalém da época, desprovida de vídeo, televisão, internet ou
tela touchscreen uma cena de sexo
explícito com as concubinas de seu pai, uma espécie de vingança obscena
pretendida para uma exposição do pai ao ridículo, ao mesmo tempo agastado o
rapaz com a estratégia inteligente de Davi que, magistralmente, encarregou ao
tempo e à experiência o esvaziamento das pretensões do menino.
Baseado nas reflexões sobre esses dois fenômenos, quais sejam, a
possibilidade concreta de um homem conviver com mais de uma esposa e do sexo se
tornar, em qualquer grau ou medida, uma experiência explícita, veiculada pela mídia ou praticado em grupo, mesmo em ambientes fechados, faço algumas
observações:
(1) A Bíblia, mal interpretada por muitos, vista com preconceitos por
outros tantos reflete, em suas páginas, a realidade do tempo ou época em que
foi escrita. No caso da poligamia, ela expressa a opção de uma etapa da
sociedade, num determinado contexto, e pode ser até que estejamos retornado a
tempos dessa mesma opção. Mas o padrão que os evangélicos seguem está
explicitado na narrativa do Gênesis, quando o Livro afirma que Deus (1) criou
macho e fêmea, (2) abençoou sua união e (3) incluída na bênção estava a
indicação para que fossem fecundos. Vivemos um tempo em que outros modelos de
família se esboçam, inclusive com aprovação legal. Portanto, a divulgação de
modalidades diversas da tradicional monogamia heterossexual, bem como a defesa
de variações desse modelo são reivindicadas como um direito irrefutável. Diante
disso, os evangélicos reivindicam também o seu direito, inalienável, de
defender (1) a monogamia heterossexual e (2) o modelo de família que resulta
dos filhos nascidos no contexto dessa relação. Este é o modelo que tomamos como
prática, defendemos e divulgamos, sem que, na defesa deste modelo, seja necessário acusar outros. Para tanto eu, particularmente,
discordo de qualquer acusação, denúncia ou discriminação de quem pratica outro
modelo, mesmo porque a responsabilidade por toda e qualquer escolha, para a Bíblia e para Deus, é sempre
individual.
(2) Quanto ao modelo de sexo praticado pelos evangélicos, aliás, mais
uma vez, a Bíblia nunca foi moralista ou estraga-prazeres em termos da questão
sexual. Esse assunto é mais um que entra na lista das leituras equivocadas do
Livro ou da má fé de seus “intérpretes de ocasião”. No coração da Bíblia, pertinho
do Livro dos Salmos, há um outro que enaltece a sexualidade e a relação entre
homem e mulher, que é Cantares ou Cântico dos Cânticos. É o livro que começa com a declaração "beija-me com os beijos de teus lábios, melhores do que o melhor vinho". E isso é só o começo. Portanto, a Bíblia nunca
indicou o sexo como algo repulsivo, menosprezado ou desvalorizado. Ela faz
questão, sim, de indicar certas posturas que ela considera perversão sexual.
Pois evangélicos conscientes e inteligentes, leitores lúcidos do Livro, nunca
foram inimigos de uma sexualidade sadia. Somente acham que deva ser praticada
na intimidade, com limites definidos pelos parceiros e nunca usada como instrumento
de mídia ou exposição pública, por julgar que se trata de uma parceria íntima e
para ser experimentada numa vivência de amor e respeito.
Nós evangélicos não abrimos mão dos
princípios aqui expostos. No momento que escrevo este texto, a internet divulga
o interesse de um certo grupo de políticos para que seja aprovada uma certa “imunidade”,
ou seja, “eximindo religiosos de crime de injúria e difamação”.
(3) http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/01/28/o-que-e-o-projeto-de-lei-que-exime-religiosos-de-crimes-de-injuria-e-difamacao.htm
Sou contra, pois já há jurisprudência definida para essa finalidade.
Novamente a Bíblia, ela condena que quaisquer pessoas se arvorem no direito de serem juízes ou acusadores de outrem, de qualquer um, de qualquer outro. O que reivindico aqui é o mesmo direito que,
frequentemente, vejo em outras parcelas da sociedade de propagar, propalar e defender
seu modo e modelo de entender e praticar, no caso da argumentação deste texto, sua sexualidade.
Que façam conforme sua consciência lhes aconselha. Quanto a nós, evangélicos,
também agiremos da mesma forma, entendendo, praticando, defendendo e
proclamando o nosso modelo. Para isso, requerendo os mesmos direitos e a mesma liberdade.
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