Ano Novo
“Rogo-vos,
pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não
vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa
mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de
Deus.”
Lemos, no tradicional culto de vigília, que é aquele culto que os evangélicos estendem
até 24h de 31 de dezembro para, como se costuma dizer, ‘romper o ano’, o texto
de Romanos 12:1-2. Encontra-se bem ali, no coração da carta, quando Paulo faz,
no texto, transição da parte doutrinária de seu argumento para a parte prática,
usual procedimento dele.
Tenham
paciência, mas vamos, digamos assim, dissecar esse trecho aí da carta de Paulo
Apóstolo aos Romanos. Isso porque a Bíblia carece de atualização. Sua
confrontação atual deve ser exercício do tripé leitura-assimilação-prática. Por
isso é necessário reconhecer até que ponto há gente ainda disposta a isso.
Esse texto é
um pedido, mais que simplesmente isto, é um rogo, ou seja, pedido de intensidade maior.
E Paulo invoca às misericórdias de Deus que, ao mesmo tempo, são suprimento para
quem ouvir atender ao pedido, assim como essas misericórdias visam sensibilizar
quem ouve, a fim de que atenda a esse pedido.
Trata-se de,
pelo menos, duas coisas, em linhas gerais, para a economia deste texto: (1)
autenticidade de culto; (2) um não conformismo. Por isso considero que o texto
acima se constitui em regra geral e obrigatória a todos os crentes, quanto à
definição de sua identidade no mundo de hoje. Autenticidade do culto prestado a
Deus e presença não conformista constituem-se em elementos definidores da
identidade do cristão.
A palavra “pois”,
no início da sentença, subscreve tudo o que vai em sequência ao que Paulo
escreveu antes. Melhor dizendo, para que se entenda a base argumentativa do
pedido, que não será, automática e somente pelas misericórdias de Deus, num ato
mágico, atendido, é necessário ler os capítulos anteriores da Carta aos
Romanos. Está aí um bom exercício e fica pendente a pergunta: há quanto tempo
você não lê toda a Carta aos Romanos?
Deus nos requer
como culto. Somos sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Fomos santificados
no sacrifício de Cristo. E, de modo consciente, em exercício de santidade,
devemos nos oferecer a Deus. Como Abel, o segundo a oferecer a Deus sacrifício,
foi aceito, porque Deus, dizem as Escrituras, "agradou-se o Senhor de Abel e de
sua oferta", assim deve ser conosco.
Culto não é,
definitivamente, sequência litúrgica, lugar, duração e caraminguás culturais, firulas, discussão estéril se tais ou quais modelos são mais ou menos aceitáveis. O
máximo que se pode avaliar, quanto a esses detalhes, é se são de bom ou mau
gosto, se são inteligentes ou medíocres ou se são originais ou plágio da
cultura rasteira vigente. Culto verdadeiro é oferta de si mesmo a Deus, que
avalia ser santo e agradável. Veja bem: aqui, como na adoração, o controle de
qualidade pertence a Deus.
Segundo critério
de identidade, Paulo relaciona, intrinsecamente ligado ao primeiro é o não
conformismo. Não adianta: a Bíblia é o único Livro que denuncia e define o que
é pecado. Ser cristão envolve profecia. E profecia é denúncia coerente e
identificação do que é pecado em si, no outro e na sociedade. Impossível identidade
cristã sem um critério de identificação, isolamento e tratamento do mal na pessoa,
no próximo e na sociedade.
Quando Amós, no
Reino do Norte de Israel, assim como Isaías, no Reino do Sul de Judá, cerca de
700 a.C. denunciaram o culto praticado, ativeram-se ao fato de que era culto
exterior e hipócrita e que, entre os que ofereciam, grassava o pecado,
estabelecida, então, a incoerência que tornava nojenta, para Deus, toda aquela
panaceia. Quando cumpriam sua agenda de culto, Deus mudava de canal, para não
sentir náusea.
Paulo sugere que nos
permitamos transformar por uma renovação de mente que somente o Espírito Santo
proporciona. Daí ser inteligente e original a postura evangélica. Pelo menos
deveria ser. Evangélico autêntico, autêntico cristão sempre terá uma proposta
nova e atual. Deve trazer consigo, permanente e espontaneamente, como um dia
escreveu o pastor John Stott, uma contracultura cristã. Um dos graves problemas
atuais da igreja é que perdeu a capacidade de apresentar-se ao mundo como
contracultura a tudo isso que está aí.
Mais uma vez Deus
vai avaliar como bom, agradável e perfeito. Será que podemos considerar essa
trinca de adjetivos um padrão de avaliação de Deus? Experimentar a vontade de
Deus significaria, por exemplo, um padrão de conduta desejado por Ele, uma
afirmação de identidade na sociedade, enfim, uma postura profética individual
para cada cristão e, coletivamente, para a igreja? Bom, que esta reflexão se constitua num bom
exercício de interpretação para este trecho em questão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário