sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Casamento no mundo atual - Final

4. A lei do amor 

       Certa vez um “doutor da lei” abordou Jesus, a fim de o pôr à prova (cf. Lc 10.25-28). Queria apanhar Jesus num deslize qualquer e perguntou ao Mestre qual era a síntese de toda a lei. Jesus, inteligentemente, mexendo com a vaidade dele, recorreu ao terreno de pugna do outro, remetendo-o às Escrituras: “como a interpretas”, perguntou Jesus. O homem discorreu, respondendo: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento”, e concluiu: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Jesus fechou questão, desafiando o homem: “Faze isto”. Este desafio de Jesus aplica, como norma humana permanente, o amor ao próximo. Pois respeito à posição contrária do outro está inserido no contexto desse amor. Na questão de sustentarmos como nosso qualquer conceito bíblico, neste caso aquele referente ao modelo bíblico de casamento, não devemos encará-lo como obrigação, nem para nós e nem para os outros. Conceitos bíblicos são dádivas aos homens e assumem-nos quem e quantos assim desejarem. Os que assumirem, fazem-no pela fé que professam, julgando assim estar fazendo o que encaram como mandado de Deus para si e sua resposta em obediência a Deus. Os que entendem diferente, que ajam em acordo com suas convicções. O que não pode ocorrer é que se julguem no direito de se acusarem mutuamente. A própria Bíblia, no Sermão do Monte, indica palavras de Jesus, afirmando que não devemos julgar uns aos outros, Mt 7.1-5 (ver também Rm 2.1), mesmo porque todos, sem exceção, somos, diante de Deus, pecadores (cf. Rm 3.23). O conceito bíblico de pecado é detalhado e suficientemente amplo para diagnosticar todos nós, colocando-nos em igual condição, diante de Deus, deparando Jesus como único meio de salvação e modo de acesso, pela graça, a Deus (cf. Rm 5. 1-2). Portanto, devemos seguir o que a nossa consciência, uma vez iluminada pelo Espírito Santo, indicar. E também nos preocuparmos conosco mesmos, cada um consigo, no seu propósito de cumprir (ou não) o que a Bíblia indicar. 

5. Conversão como fruto do amor 

        A Bíblia, como palavra de Deus aos homens, assim considerada pelos cristãos, tem como objetivo principal revelar o amor de Deus. Esse amor está a serviço do homem, no sentido de Deus ter concedido que Jesus Cristo, filho de Deus, morresse na cruz pelos pecados, individualmente, de cada homem e mulher, quer dizer, toda e qualquer pessoa. Essa é a prova completa do amor de Deus pela humanidade (cf. Rm 5.8, Jo 3.16). Resumidamente, este é o específico da Bíblia. Aceitar o amor de Deus, segundo a Bíblia, por causa da condição geral de todos os homens, pecadores diante de Deus, implica a conversão da condição de pecador para Deus. E o que é ser pecador? É ser contra Deus, contra si mesmo e contra os outros. O primeiro e básico problema é que não é simples, natural ou óbvio para homens e mulheres considerarem-se a si mesmo pecadores. E o que é conversão, no sentido bíblico? Perda total, segundo Paulo (Fl 3.8-9), e segundo Jesus (Mc 8.34-35). A conversão é pessoal, radical, somente possível por ação direta de Deus, no ser humano em geral, por opção consciente deste, significando, repetimos aqui, perda total, único meio de regeneração do problema do pecado. Há, pelo menos, três figuras bíblicas para se entender o que, em sua radicalidade, significa conversão. Antes de indicá-las, uma advertência: embora usemos aqui a palavra figura, trata-se de realidades palpáveis, ou seja, figura aqui não significa metáfora. Segundo a Bíblia, conversão é: (I) morte/ressurreição em Jesus Cristo; (II) novo nascimento pelo poder de Deus; (3) circuncisão, que é uma cirurgia sem anestesia, realizada pela mão de Deus (cf. Rm 2:28-29). Esses três aspectos implicam em perda total. Paulo afirma, no texto citado acima, “considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser achado nele, não tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo Jesus, a justiça que procede de Deus, baseada na fé.” (Fp 3.8-9). Nem o “orgulho gay” ou a falsa “piedade cristã” são maiores do que isso. 

Conclusão 

        O respeito a posições radicalmente contrárias está, obrigatoriamente, contido no mandamento do amor. De parte a parte, grupos que defendem o modelo bíblico de casamento e, coerentemente, o praticam, devem respeitar aqueles que defendem outras modalidades de união conjugal. Cada parte assumindo, diante de si mesmo, dos outros e de Deus suas escolhas. Há necessidade de cessarem as discussões ofensivas acusatórias nos meios de comunicação. Assuntos que comportam em sua temática itens que são de foro íntimo devem ser tratados de modo criterioso, pois até mesmo Jesus respeitava a decisão íntima das pessoas, quer ele concordasse ou não com elas. Ainda sobre a denominada “cura gay”, desejo comentar que, do mesmo modo que existem pessoas que, declaradamente, após um período de vida com comportamento heterossexual, assumiram e declararam que “saíram do armário”, assumindo sua homossexualidade, o mesmo direito têm não poucos homossexuais que decidiram, muitos deles declarando-se autenticamente convertidos a Jesus, deixar sua condição homossexual para uma vida de união conjugal heterossexual. Ambos têm o mesmo e igual direito. E apenas outra observação: eu também não acredito na “cura gay”. Conversão a Jesus é totalmente diferente, pois é milagre de Deus, com autêntica e inconfundível assinatura, pelas marcas de Jesus, no ser humano. E somos convertidos por amor e para amar. “To Love another person, is to see the face of God”, fala do personagem de Jean Valjean, na cena final de Os Miseráveis (romance de Victor Hugo, adaptado para o cinema), que traduzido é: “Amar outra pessoa é ver a face de Deus”. Outra maneira de dizer o que João falou em 1Jo 4.20: “Se alguém diz amar a Deus e odiar a seu irmão, é mentiroso: quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. Como disse Jesus ao doutor da lei: “faze isto” (Lc. 10.28). Só o poderemos realizar como fruto do Espírito, debaixo do poder de Deus.

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