terça-feira, 15 de setembro de 2015

Apocalipse



       Oi, blog.

     αποκαλυψις, assim mesmo, está escrito bem no início do último livro do Novo Testamento, consequentemente, da Bíblia. Palavra esta que teve seu sentido alterado. Significa Revelação, Revelation, em inglês, como é chamado o Apocalipse.

     Virou sinônimo de destruição, fim do mundo. Atribuem a Deus essa intenção. Quando será, enfim, que Deus vai destruir o mundo? Quando será o fim do mundo? Quando será o Juízo Final? Isso é uma estupidez. Simplesmente porque Deus não é destruidor. Deus é criador e renovador de tudo o que, esse sim, o homem, pretendeu destruir e está a caminho de fazer, com relação ao planeta inteiro, completando sua nefasta obra.

      Intencional ou subconscientemente, ou os dois, o homem responsabiliza Deus por todos os seus, do homem, desatinos. Na introdução do livro, do αποκαλυψις, está escrito um escalonamento progressivo de como chegou a nós essa Revelação. Vamos por etapas, passo a passo, no Capítulo 1:1:

      1. Revelação de Jesus Cristo, ou seja, pertencente a Jesus ou Revelação a respeito do próprio Jesus;

        2. A qual Deus lhe deu, ou seja, essa revelação Jesus recebeu de Deus, seu Pai;

    3. Para mostrar a seus servos as coisas que breve devem acontecer, aqui o objetivo essa antecipação, digamos assim, dos últimos acontecimentos: para ser técnico no termo, acontecimentos escatológicos, também do grego, εσχατος, escato, ´ultimo', e logia, estudo: 'estudo dos acontecimentos futuros, finais, últimos';

        4. E pelo seu anjo as enviou, aqui, a personagem angelical que acompanha o apóstolo João em suas visões (eu termino por concordar que seja o apóstolo, e pronto);

        5. E as notificou a João, seu servo, este o destinatário último das Revelações, na verdade, aquele que as repassaria às igrejas, às sete igrejas, tipificando todas as igrejas em todas as épocas.

        Pois ficou a marca da troca de sentido, Revelações que, pelo teor do que vai escrito no Livro que recebe seu nome, αποκαλυψις, Apocalipse, Revelation, elas assustam. Por que assim? A Bíblia em seu final, para encerrar ou cerrar o pano do teatro do drama humano se mostra pessimista?

        Pelos fatos descritos, a sequência dos sete(s), flagelos de Deus, taças de Deus, trombetas de Deus, enfim, transparece uma impressão que essas imprecações são mandadas por Deus para punir ou destruir a humanidade, de uma vez por todas.

         Porém, pedindo licença a este texto, apartando o raciocínio e supondo ser puramente metafórico o Apocalipse, ou seja, fictício, simbólico, representativo e ultrapassado, assim mesmo não precisamos acreditar nele para supor, checar e ter plena certeza de que o mundo terá um fim. Isso porque o próprio homem, a própria humanidade parte para autodestruir-se. 

        O homem costuma acusar Deus. Pôr em sua, de Deus, conta todas as mazelas que o cercam. O homem é autor delas, têm a sua, do homem, assinatura, mas ele pretende acusar que Deus as perpetra. Mas não é assim.

       Deus é bom. Ele é o único bom. Deus cria e renova. Para Deus, ele deseja que haja permanente renovação da vida. A cada momento uma renovação. Continuamente. Reinvenção da vida. Mesmo porque, uma vez tornado finito, frágil e falho, o homem passou a necessitar de socorro divino.

       Deus é perdão, amor, comunhão. Podia resgatar-nos a existência e colocar-nos num imenso Campo de Concentração nos céus, com tratamento VIP, nada comparado às invenções humanas nazistas ou guantanameiras, de Guantánamo, na Ilha. Não. Deus intenta comunhão. Desde já. Uma vez o homem consentindo que Deus habite seu ser, sua vida, Deus quer comunhão.

        Por isso, desde já, brota um renovo. Deus faz brotar renovos. Ele renova, Ele reinventa a cada momento, faz brotar tudo novo. A vida, segundo Deus e com Deus, a cada momento se renova, se reinventa e brota viva, plena. Eu vim para que tenham vida e a tenham plena. Eu sou o bom Pastor, o bom Pastor dá a vida pelas Suas ovelhas, disse Jesus.

         A marca do homem é destruição. Apocalipse, sentido alterado do termo, visão e menção popular da Revelação. A marca de Deus é restauração. Ele fará novas todas as coisas, está escrito neste próprio Livro de Revelação, em 21:5.

         Foi subindo como um renovo. É assim que, no Cântico do Servo Sofredor, em Isaías 53:2a, encontra-se uma referência a Jesus: raiz de terra seca, que não despertava atenção, visto que sua aparência não era formosa, aos olhos dos homens. Dele não fizeram caso.

         Pela vida afora, como dizia meu pai, segue o homem sem dar importância ao Renovo do Senhor. Se há vida, Deus dela é autor. Deus a renova, faze-a brotar a cada dia, reinventa-a. Continuamente.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015



  Flash matinal.


  Que árvore é aquela?
 De folhas lilases, roxas, arroxeadas
Sei lá.
  A brisa matinal, suavemente,
Castigava-lhe as pétalas
Folhas em arte
Caídas ao chão
Tapete na praça.
 Faveiro? Quem sabe?
Deus criou as árvores
Deus criou o homem
E o pôs num jardim
Para que, entre outras coisas,
Preservasse as árvores.
Elas são viventes na natureza.
Que lhes importa o nome?
Basta ser árvore.
Que lhes importa o nome?
Basta ser humano.
Basta, ser humano.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015



         Bom dia, (com) Paulinho da Viola: uma definição não gospel de perdão.

        A gente, às vezes, pensa que não há vida inteligente em meio à música popular. Não é bem assim. Às vezes, não há vida inteligente, mesmo, mas nos dois lados: este, costumeiramente definido como 'gospel', e aquele, definido aqui como 'música popular'. Porém, quando deparamos música inteligente nos dois lados, ficamos satisfeitos, felizes e muito bem recompensados. Carregamos a letra conosco, às vezes, de novo, por dias, refletindo em suas verdades. 
  
        "Recomeçar", do gênio musical Paulinho da Viola, é um samba que fala sobre perdão. Perdão é o ponto central da fé. Perdão atende à fé, que vem em socorro deste ponto central da revelação de Deus, que Se revela porque quer perdoar. Quer de novo, para si, a comunhão perdida com o homem. O ponto central da história do Livro, da Bíblia, é o perdão, fruto único do amor, sem o qual, nem um, nem outro seriam possíveis.

         Recomeçar. Vai, então, aí, a letra: reflita e veja se não tenho razão em dizer que, desta vez, o sambista magistral magistralmente deu uma aula de perdão:
         
            Recomeçar/Do que restou de uma paixão/Voltar de novo à mesma dor sem razão/Guardar no peito a mágoa sem reclamar/Acreditar no Sol da nova manhã/Dizer adeus e renunciar/Vestir a capa de cobrir solidão/Para poder chorar
           Somente o tempo faz a gente lembrar/Do sofrimento que não quis perdoar/E todo o mal reprimido/Pode, afinal, nos deixar/A vida tem seu renascer de uma dor/Toda ferida um dia tem que fechar/E quem secou esse pranto/Pode novamente amar

                  Recomeçar, repete. Ouça num desses sites de música da internet. Coloque no seu celular e, enquanto dirige pro trabalho, amanhã, pela manhã, ouça Paulinho da Viola e sua aula sobre perdão. Se quiser marcar um modelo de compreensão deste samba, vá verso a verso. Senão, vejamos:
               
               ‘Recomeçar, do que restou de uma paixão’, destaco aqui os vocábulos ‘restou’ e ‘paixão’. Realmente, paixão, que é, digamos, um amor improvisado, meia sola, só vai mesmo, um dia, terminar e deixar marcas negativas. Mas, do que restou, é possível, aprendendo lições, recomeçar. ‘Recomeçar...’, repete, como dica e contraponto, na melodia, o sambista.
               
              E ele explica o que é esse recomeço: ‘Voltar à mesma dor’, veja bem, que ele ensina que é ‘de novo’, porque essas marcas costumam voltar, toda a hora, de vez em quando, à mente. E a dor, essa dor dessa marca, ele doutrina, é ‘sem razão’. Reflita e aprenda que é uma mágoa e uma dor sem sentido. Aprendendo perdão: é ou não é?
             
            Guarda no peito a mágoa, sem reclamar, ensina o sambista, ou seja, tratamento da memória da mágoa e da dor, da marca que ficou. Se fosse, lá atrás, amor, não seria paixão, não ia acabar – a Bíblia ensina que o amor jamais acaba – e não haveria marcas. Então, aprenda com a memória da mágoa e da dor, ensina ele, porque, nesse contexto, no contexto da dor, a vida sempre tem seu recomeço.
         
            Então, ele indica (1) haverá um novo sol de uma nova manhã, (2) será possível dizer adeus a toda essa mágoa e dor, (3) note lá, na letra, a palavra renúncia – outro ponto de partida, na Bíblia, lembram, Jesus dizendo ‘negar-se a si mesmo’? – e (4) ‘capa de solidão’, é porque essa guerra contra a mágoa e a dor, parto necessário ao perdão, é solitária e, certamente, envolve choro. Pode chorar escondido, que Deus vê: o nome disso é oração. Não há como aprender perdão sem uma parceria com Deus.
          
            Módulo 2, segunda estrofe, assim aqui definida. O tempo é o mestre, para quem aprende e se demonstra sábio e isento de malícia, de vontade de perdoar e é valente, muito macho e muito fêmea para tanto. Diz o mestre: ‘Somente o tempo faz a gente lembrar/Do sofrimento que não quis perdoar’, ou seja, quem não procura esquecer, ou melhor, quem não sabe conviver, de modo positivo, com a memória da dor e da mágoa, vai sofrer continuamente. E a culpa será, exclusiva e propriamente sua, de si, desse que não aprende a perdoar. Como dizia Cid, meu pai, ‘vai pela vida afora’ e não aprende. Então, que se envenene e envenena outros pois, de novo a Bíblia, está lá: raiz de amargura contamina quem a conserva dentro de si e contamina quem está perto.
          
          Se houve aprendizado, diz o mestre sambista: ‘E todo o mal reprimido/Pode, afinal, nos deixar’. Eu desejo destacar, aqui, duas palavras: ‘E’, assim como ‘afinal’. O ‘e’ indica que trata-se de um processo, ou seja, para que o mal abandone o freguês, é necessário o que foi dito antes, ou seja, o trabalho do tempo na vida de quem se fez sábio e humilde, aprendendo a renunciar a si mesmo. E ‘afinal’, é porque vai haver cura. Afinal é advérbio de tempo. Vai chegar o tempo do alívio, tempo esse que pode ser abreviado, caso a renúncia e o negar-se a si mesmo sejam exercitados.
        
             Para terminar, nas derradeiras linhas desse sermão de Paulinho da Viola, que não é gospel, mas é popular, ele diz que a lição aprendida é que (1) a vida só recomeça e somente nasce da dor, ou seja, é um parto todo o dia; (2) feridas existem, mas são feitas para serem fechadas, tratadas com óleo, pensadas, também, com vinho ou vinagre, e até mesmo sal, se for o caso; ‘Toda ferida, um dia, tem que fechar’.
            
            Se existe, por aí, alguém interessado em aprender do amor, entenda uma coisa, somente e somente se: ‘E quem secou esse pranto/Pode novamente amar’, ou seja, não há outro caminho a percorrer para quem deseja aprender a amar. Não existe outra fórmula ou outro caminho a percorrer. Somente quem secou esse pranto, quem chorou esse choro e quem secou essas lágrimas pode, nova (e verdadeiramente) amar. Trata-se de um processo do qual não é possível escapar ou abrir mão de, no aprendizado do amor e do perdão.
            
             Não é gospel, é popular, mas é uma aula da Bíblia, de amor e de perdão. Como dizia Jó, ouvido tem que ter paladar. Então, apura teus ouvidos e, como diz Paulo, examina tudo e retém o que é bom.
        



         
              Bom dia, (com) Paulinho da Viola: uma definição não gospel de perdão.

        A gente, às vezes, pensa que não há vida inteligente em meio à música popular. Não é bem assim. Às vezes, não há vida inteligente, mesmo, mas nos dois lados: este, costumeiramente definido como 'gospel', e aquele, definido aqui como 'música popular'. Porém, quando deparamos música inteligente nos dois lados, ficamos satisfeitos, felizes e muito bem recompensados. Carregamos a letra conosco, às vezes, de novo, por dias, refletindo em suas verdades. 
  
        "Recomeçar", do gênio musical Paulinho da Viola, é um samba que fala sobre perdão. Perdão é o ponto central da fé. Perdão atende à fé, que vem em socorro deste ponto central da revelação de Deus, que Se revela porque quer perdoar. Quer de novo, para si, a comunhão perdida com o homem. O ponto central da história do Livro, da Bíblia, é o perdão, fruto único do amor, sem o qual, nem um, nem outro seriam possíveis.
         
         Recomeçar. Vai, então, aí, a letra: reflita e veja se não tenho razão em dizer que, desta vez, o sambista magistral magistralmente deu uma aula de perdão:
         
            Recomeçar/Do que restou de uma paixão/Voltar de novo à mesma dor sem razão/Guardar no peito a mágoa sem reclamar/Acreditar no Sol da nova manhã/Dizer adeus e renunciar/Vestir a capa de cobrir solidão/Para poder chorar
           
           Somente o tempo faz a gente lembrar/Do sofrimento que não quis perdoar/E todo o mal reprimido/Pode, afinal, nos deixar/A vida tem seu renascer de uma dor/Toda ferida um dia tem que fechar/E quem secou esse pranto/Pode novamente amar
                  
               Recomeçar, repete. Ouça num desses sites de música da internet. Coloque no seu celular e, enquanto dirige pro trabalho, amanhã, pela manhã, ouça Paulinho da Viola e sua aula sobre perdão. Se quiser marcar um modelo de compreensão deste samba, vá verso a verso. Senão, vejamos:
               
             ‘Recomeçar, do que restou de uma paixão’, destaco aqui os vocábulos ‘restou’ e ‘paixão’. Realmente, paixão, que é, digamos, um amor improvisado, meia sola, só vai mesmo, um dia, terminar e deixar marcas negativas. Mas, do que restou, é possível, aprendendo lições, recomeçar. ‘Recomeçar...’, repete, como dica e contraponto, na melodia, o sambista.
              
            E ele explica o que é esse recomeço: ‘Voltar à mesma dor’, veja bem, que ele ensina que é ‘de novo’, porque essas marcas costumam voltar, toda a hora, de vez em quando, à mente. E a dor, essa dor dessa marca, ele doutrina, é ‘sem razão’. Reflita e aprenda que é uma mágoa e uma dor sem sentido. Aprendendo perdão: é ou não é?
             
            Guarda no peito a mágoa, sem reclamar, ensina o sambista, ou seja, tratamento da memória da mágoa e da dor, da marca que ficou. Se fosse, lá atrás, amor, não seria paixão, não ia acabar – a Bíblia ensina que o amor jamais acaba – e não haveria marcas. Então, aprenda com a memória da mágoa e da dor, ensina ele, porque, nesse contexto, no contexto da dor, a vida sempre tem seu recomeço.
          
            Então, ele indica (1) haverá um novo sol de uma nova manhã, (2) será possível dizer adeus a toda essa mágoa e dor, (3) note lá, na letra, a palavra renúncia – outro ponto de partida, na Bíblia, lembram, Jesus dizendo ‘negar-se a si mesmo’? – e (4) ‘capa de solidão’, é porque essa guerra contra a mágoa e a dor, parto necessário ao perdão, é solitária e, certamente, envolve choro. Pode chorar escondido, que Deus vê: o nome disso é oração. Não há como aprender perdão sem uma parceria com Deus.
           
            Módulo 2, segunda estrofe, assim aqui definida. O tempo é o mestre, para quem aprende e se demonstra sábio e isento de malícia, de vontade de perdoar e é valente, muito macho e muito fêmea para tanto. Diz o mestre: ‘Somente o tempo faz a gente lembrar/Do sofrimento que não quis perdoar’, ou seja, quem não procura esquecer, ou melhor, quem não sabe conviver, de modo positivo, com a memória da dor e da mágoa, vai sofrer continuamente. E a culpa será, exclusiva e propriamente sua, de si, desse que não aprende a perdoar. Como dizia Cid, meu pai, ‘vai pela vida afora’ e não aprende. Então, que se envenene e envenena outros pois, de novo a Bíblia, está lá: raiz de amargura contamina quem a conserva dentro de si e contamina quem está perto.
          
          Se houve aprendizado, diz o mestre sambista: ‘E todo o mal reprimido/Pode, afinal, nos deixar’. Eu desejo destacar, aqui, duas palavras: ‘E’, assim como ‘afinal’. O ‘e’ indica que trata-se de um processo, ou seja, para que o mal abandone o freguês, é necessário o que foi dito ates, ou seja, o trabalho do tempo na vida de quem se fez sábio e humilde, aprendendo a renunciar a si mesmo. E ‘afinal’, é porque vai haver cura. Afinal é advérbio de tempo. Vai chegar o tempo do alívio, tempo esse que pode ser abreviado, caso a renúncia e o negar-se a si mesmo sejam exercitados.
         
           Para terminar, nas derradeiras linhas desse sermão de Paulinho da Viola, que não é gospel, mas é popular, ele diz que a lição aprendida é que (1) a vida só recomeça e somente nasce da dor, ou seja, é um parto todo o dia; (2) feridas existem, mas são feitas para serem fechadas, tratadas com óleo, pensadas, também, com vinho ou vinagre, e até mesmo sal, se for o caso; ‘Toda ferida, um dia, tem que fechar’.
            
            Se existe, por aí, alguém interessado em aprender do amor, entenda uma coisa, somente e somente se: ‘E quem secou esse pranto/Pode novamente amar’, ou seja, não há outro caminho a percorrer para quem deseja aprender a amar. Não existe outra fórmula ou outro caminho a percorrer. Somente quem secou esse pranto, quem chorou esse choro e quem secou essas lágrimas pode, nova (e verdadeiramente) amar. Trata-se de um processo do qual não é possível escapar ou abrir mão de, no aprendizado do amor e do perdão.
            
             Não é gospel, é popular, mas é uma aula da Bíblia, de amor e de perdão. Como dizia Jó, ouvido tem que ter paladar. Então, apura teus ouvidos e, como diz Paulo, examina tudo e retém o que é bom.
        

quarta-feira, 22 de julho de 2015


  Como quem sonha

          No Salmo 126, Cântico de Romagem que, por si só, já evoca uma jornada em direção ao Templo, transparece uma situação de extrema felicidade e contentamento, possivelmente pelo fato de Deus ter restaurado a seu povo sua condição de residência em Sião, o monte sobre o qual situava-se Jerusalém, assim distinguida pelo nome, após o fim do cativeiro na Mesopotâmia, de 587 a 536 a.C.

         Aqui no Acre tivemos uma experiência de quem fica como quem sonha. O salmista, muito provavelmente, sem ter como expressar o estado de extrema alegria do povo, estabeleceu essa comparação, indicando sonho como parâmetro de uma situação de bem estar, sensação de conforto e ainda, típico do sonho, um estado indefinido de empolgação, satisfação e saciedade.

         A passagem do grupo da Igreja Evangélica Fluminense, equipe liderada pelo pastor Gustavo Leite, que se hospedaram na Chácara, no Quinari, durante 4 dias e meio, trouxe-nos essa sensação. Creio que o salmista, sem conseguir expressar direito toda a alegria e surpresa pelo benefício recebido de Deus, constatou que o resultado prático e o efeito da bênção recebida assemelhava-se à sensação de um sonho, de tão cheia de contentamento e satisfação tornou-se a realidade experimentada.

       Foi assim, desde o dia 14 a 22 de julho, com a passagem desses mais de 20 irmãos por nossa cidade e município de Senador Guiomard. Construíram 60 metros de um muro, realizaram a instalação elétrica da casa do zelador, alcançaram três escolas e mais cerca de 300 crianças na Chácara com a Escola Bíblica de Férias - EBF. Foi pouco tempo, muito trabalho e agenda cheia, ainda que sobrassem oportunidades e janelas de mais trabalho ainda. A seara continua muito grande.

       O salmista ressalta no texto que, numa situação assim definida, a boca se enche de riso, o coração de júbilo, há restauração e torrentes e torrentes se renovam e continuam a regar o solo desértico do Neguebe. O grupo trouxe consigo torrentes que brotam de dentro e qualquer deles, passando por qualquer vale árido, fez dele um manancial: derramaram chuvas de bênçãos.

        Jesus diz que do interior dos que nele creem fluem rios de água da vida. De cada coração de cada irmão do grupo fluíam dessas águas. Cheios do Espírito, que é resultado de oração, vigilância e comunhão com Deus e, consequentemente, entre si. Deus contemplou-nos com quarta, quinta, sexta e sábado de uma nuvem que encobriu o sol. O pouco que transpareceu foi necessário, pois precisavam desse batismo, para reconhecer o clima do Acre neste assim chamado 'verão'.

         Quando a turma do muro percebeu que havia risco de não completar seus 60 metros, já dados como voto, diante do Senhor, clamaram e este mesmo enviou trabalhadores a Sua seara: 1, 2, 3 ou 4, quanto necessitaram. E mais precipuamente, a dupla que ficou até o último tijolo. Um dos pedreiros, irmão em Cristo, ficou como herança e ainda está lá, dando acabamento e retocando a obra total.

        Semearam, andando e chorando, e colheram seus frutos. A turma da palhaçada, palhaços de Jesus, rodaram pelas escolas, manhã e tarde, e ainda testemunharam no galpão da chácara. A turma da cozinha nunca deixou faltar, a tempo e a hora, o alimento de cada turno. A dupla de eletricistas, mestre e seu aprendiz, deixaram pronta a instalação. A turma do apoio, idas e vindas de carro, aqui, ali e acolá, adquirindo material, mantimentos e que tais. E a turma do clamor, de tarde, de manhã, já às 5h30, e à noite não abandonavam a oração e o clamor. Claro que a liderança, aqui, era Sandra Roger.

      Enfim, nada falhou. Grandes coisas o Senhor tem feito por eles. Assim ficou notável. Com efeito, confere, grande coisas tem feito o Senhor por nós e, por isso, estamos alegres. Muito alegres. A alegria do Senhor é a nossa força. Era a caravana da alegria no Senhor. Vimos, caros pastores da Fluminense, a glória do Senhor refletida em cada rosto. Sem exageros. Sem bajulação. Irmãos em Cristo que aceitaram o desafio proposto, deslocando-se por mais de 4000 km, em voos com escalas e conexões fragmentadas, de fuso confuso, abrindo mão de problemas pessoais em sua cidade, alguns mais complicados do que outros, e deixando familiares sob cuidados.

      Passou por nós uma torrente. Fizeram de vale árido um manancial. O que ficou, foram águas mansas de uma nascente que jamais vai secar, gerando seus frutos, desde já, para a eternidade. Uma Legião de Super Heróis, cada qual com o poder de Jesus em sua vida. Árvores plantadas junto à torrente de águas do Espírito, vão dando seus frutos e sua folhagem não murcha.

       

sexta-feira, 19 de junho de 2015


  Nada como um bom colírio.

            Simpática essa droga, colírio, ameno remédio, serve para deixar translúcida a visão. Se há um dos cinco sentidos, todos eles de igual valor, mas esse que se generaliza, mesmo quando dele não se pode dispor, todos os outros vêm em seu socorro, para produzir, no conjunto, visão. Aliás, a Bíblia, ela, de novo, brinca com esses conceitos, quando afirma "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça." Quer provocar que, nem sempre, quem tem ouvido, ouve ou, quem tem olhos, enxerga.

         Daí a necessidade do colírio. E, como teste, seja de paciência ou de sensibilidade, quem sabe até mesmo honestidade consigo mesmo, falar de Bíblia torna-se um teste para quem deseja avaliar se é preconceituoso. Sim, porque o valor do Livro só se desvenda diante de olhos desarmados, sem predisposição a toda e qualquer espécie de preconceito o que, em si só, já se constitui um exagero, porque isso de não ser preconceituoso é questão de vigilância, aprendizado constante e comunhão, prioritariamente, com a diferença e com o outro.

         Colírio para os olhos. Jesus esteve, três distintas vezes, pelo menos essas narradas nos Evangelhos, diante de mulheres, digamos, de reputação duvidosa. E deu três aulas distintas e marcantes de como se deve lidar com esse tesouro, para nós, homens, que são as mulheres. Três, digamos assim, prostitutas, para usar o termo pejorativo, carregado, carimbo na testa que, no refluxo semântico, é contra quem dele se utiliza. Jesus tomou partido diante de três mulheres rejeitadas porque, descaradamente, punham na vitrine a perversão que todo mundo reprime, esconde, dela se envergonha ou tem medo.

         Num momento de lazer, com os discípulos, escrevia, distraidamente, na areia. Quem sabe jogasse com os discípulos um joguinho matemático, passatempo que se perdeu em meio a tanta tradição. A turba chegou, fazendo alarido, gritando adúltera, prostituta, flagrante delito, apedreja. Jesus se conteve, nada falou. Não era com ele, ainda. Insistiam, violou a Lei de Moisés, apedreja, cumpra-se a lei, mas só para os enjeitados. Jesus nem era com ele. Até que um mais afoito dirigiu-se ao Mestre e perguntou: E tu, com isso?

         Não deveria. Jesus, voltando-se, perguntou: Eu, com isso? Apedrejem. Susto geral, até que Jesus terminasse a sentença: Mas só quem não tiver nenhum pecado. Assustaram-se, só porque Jesus ameaçou mostrar o nosso avesso. O avesso do avesso do avesso, já se dizia em Sampa. Todos fogem do seu avesso, a não ser que encontrem Jesus. Todos fugiram. Jesus e a pretensa prostituta no cara a cara. Mulher, cadê seus acusadores? Não sei, Senhor. Nem eu sou teu acusador. Agora, escolha a vida que você quer ter. Jesus, complementa o evangelista, não é acusador. Talvez porque seja o único que pode salvar, completamente, todos os que a Ele se achegam. Todos nós outros, incapazes de salvar até nós mesmos, somos acusadores, tentado amenizar nossas faltas pela suposta culpa dos outros.

           Diante de Jesus: alguém poderia supor e esperar, de Jesus, que ele tivesse doutrina, religião ou discuso moral para a mulher. Não é assim que o Livro mostra Jesus. Tenha colírio nos olhos. Partindo do argumento dos acusadores, Jesus perguntou onde estavam eles, com a força de seu argumento. A mulher não sabia deles e Jesus, medindo-se por eles, disse não ser e não querer ser acusador. Quando disse, recomendando, que ela fosse embora e não pecasse mais, é porque pecado, genericamente, é tudo o que é contra a vida. Colírio nos olhos. Recomendou, apenas, que a mulher aprendesse, de si mesma, a rejeitar o pecado, por si mesma e para os outros.

           Pode-se considerar o resultado dessa conversa. Uma turba que traz uma mulher em desespero, na tentativa de comprometer aquele filho de carpinteiro, Mestre, para seus discípulos, um visionário metido a rabi, para escribas e fariseus, e a reação dele ser desafiadora. Primeiro, assumiu o argumento deles e mandou apedrejar, sim, mas para quem não tivesse pecado igualando, desse modo, a todos. Então, após a covarde dispersão, interrogou, ironicamente, a mulher para, logo em seguida, assustá-la com a afirmação de que não tinha nada em que condená-la.

          Pode-se generalizar essa afirmação: Jesus não tem o que condenar em nenhuma pessoa, em nenhum vivente. Ele afirma nas Escrituras que veio buscar e salvar. No contato com a mulher, não aceitou o modo como a manipulavam. Não queriam, como alegado, honrar o cumprimento da Lei de Moisés, mas desabonar Jesus. Usaram a mulher. E não foi com a sinceridade de desejos do homem que relegaram a segundo plano, no alegado flagrante, deixando-o de lado, reforçando sua discriminação. Aqueles homens tinham total desprezo pela mulher, por Jesus, pela ética e pela Lei que alegavam preservar.

           Colírio nos olhos para enxergar o modo como Jesus ressalta, verdadeiramente, o direito a vida que deseja conceder a todos. Para enxergar, também, o modo como a Bíblia ensina que se deve tratar a mulher, ao mesmo tempo em que é emparedado, em sua incoerência, o grupo acusador maior. Geralmente, o grupo se auto protege, lançando-se contra a falta de plantão, eleita como bode expiatório e denúncia de ocasião, numa espécie de 'nuvem de fumaça', desviando a atenção de si mesmo.

          Jesus tem muita lições a ensinar. Ainda na sociedade de hoje, em que a mulher continua sendo alvo de violência gratuita e responsabilizada, como numa síndrome de Eva, por todo o pecado do mundo, Jesus dá a lição de que necessitamos, demonstrando que não há falta que justifique o grupo para que apedreje. Porque todos pecaram e pecam. No cara a cara com Jesus, ele revela a gravidade desse caso e promete salvação definitiva desse mal.
          

           

quinta-feira, 11 de junho de 2015


 Manifesto por uma teologia do absurdo.

        Resumindo, de uma vez por todas, é necessário encontrar, na Bíblia, um só argumento que derrube todos os outros, reduzindo-os a nada. Assim, economizamos tempo, esforço e raciocínio, sim, porque raciocínio é coisa que se deve economizar.

           De um tempo para cá, uma série de argumentos tem sido levantados, com total honestidade e competência acadêmicas, diga-se de passagem, mas que quebram, de uma vez, a antiga credibilidade que o Livro nutria, trazida consigo, ao longo de séculos.

           Sem nenhuma intenção premeditada, é claro, e até por força de sua própria natureza, esses argumentos, os quais refletem procedimentos científicos contemporâneos e, por isso mesmo, criteriosos, têm nos ajudado, falo aqui sem ironia, a desmistificar as Escrituras, livrando-nos, e a ela também, de uma má fama de crédulos, ao invés de crentes.

             Por exemplo, meu filho (eu e meus exemplos domésticos), recentemente, comentou sobre a precisão de Lucas, o Evangelista, ao datar o nascimento de Jesus, sim, aquele texto mesmo, que cita Quirino, governador da Síria. Ele, meu filho, comentava que havia lido que tal ou qual autor (nem perguntei quem), havia citado cerca de 20 confirmações precisas, existentes no contexto dessa datação lucana, da época do nascimento de Jesus.

              Qual, de novo, não foi a surpresa de meu filho quando, e eu nem o preparei antecipadamente, prevenindo-o para uma revelação bombástica que, ao contrário, já detonaram Lucas, sua autoria e seu pretenso "Evangelho" há muito tempo. Que beneméritos, de novo, sem ironia, exegetas, desde o início do século 20, exercitaram-se em nos livrar de acreditar nessas 20 (e muitas outras) "certezas bíblicas".

              Se nem Lucas escreveu ou, se escreveu, é necessário garimpar em meio a todo o Evangelho o que vem de sua lavra. A Tradição, essa entidade impessoal, foi quem atribuiu, aqui e ali, Evangelhos, Epístolas, enfim, textos do Novo Testamento a tais e quais autores, de muito boa fé, porém sem nenhuma fidedignidade, pelo menos dentro das exigências e critérios da moderna crítica. Era costume seu (dela) fazer assim, sem malícia ou má fé, por pura, digamos, tradição.

             Generalize-se esse procedimento, para se ter dimensão da extensão da tarefa, qual seja, retificar a visão tida como segura da autoria deste ou daquele livro da Bíblia, por aí afora: Cartas de Paulo (sim, quantas autênticas?), Cartas de João (talvez, a primeira), Epístolas de Pedro (nenhuma das duas), Apocalipse (se foi mesmo de um João, como Garrincha identificava, pode ser qualquer um, menos o apóstolo).

            Parece gozação ou, como já mencionado, ironia, mas não é: trata-se, aqui, de um jeito descontraído de nos colocarmos diante de um problema atual com relação à credibilidade do texto bíblico. Pode parecer que não, mas opera-se uma mudança de paradigmas em relação ao estrato fonte, vamos inventar este termo, fundamento da guinada há quase 500 aos atrás, no que ficou conhecido como Reforma Protestante.

                 A Bíblia deu o tom dessa guinada. Atualmente, opera-se a tentativa de fincar estacas em limites ainda não bem definidos, visto que a credibilidade do texto, sua integridade, sobre quais partes dele fixar exegese, deduzir argumentos, exercitar retórica, ora, de repente avisam você que tal argumento não é paulino, ou joanino, ou ainda petrino e você leva o mesmo sustão que meu filho levou.

             Até que ponto, então, a necessidade de integridade do texto (já que a autoria já se tornou relativa) deve ser necessário reivindicar para que qualquer argumento em questão, referente ao texto, seja aceito como autorizado? Vamos logo perguntar, até que ponto tal ou qual palavra de Cristo, não foi Ele que proferiu, apenas está sendo atribuída a Ele e, por sinal, por via de um autor considerado apóstolo ou próximo deles, como Mateus ou Marcos, mas que não há, absolutamente, garantia que tenha sido palavra fielmente dita pelo Mestre e nem, ao menos, tradicionada pelos caras. Coisas da Tradição dizer que era, quando, absolutamente, não foi.

             Ora, se isso não representa mudança de paradigma, digam, então, o que representa. Se isso não sacode a credibilidade do Livro, lido pelo público comum (se bem que o Livro está sendo, cada vez mais, menos lido - favor respeitar as vírgulas para entender esta afirmativa) como, exemplo doméstico, meu filho e seu susto ao ter afetada sua credibilidade primeiro e, repentinamente, no autor que fiquei sem saber quem era e, posterior e imediatamente, em Lucas, na Bíblia e em mim mesmo, duma só vez.

              Sugiro, então, para abalar, definitivamente e de uma só vez, a estrutura do Livro, um só absurdo. Se pudermos provar que, por um só absurdo a Bíblia pode ser, definitivamente, desacreditada, prevalecerá seu valor literário (mesmo porque geográfico, histórico, doutrinário, arqueológico, sociológico, psicológico, enfim, definitivamente, a Bíblia não tinha razão). Proponho, então, a troca de um só absurdo por todos os outros. A seguir.