Bom dia, (com) Paulinho da Viola: uma definição não gospel de perdão.
A gente, às vezes, pensa que não há vida inteligente em meio à música
popular. Não é bem assim. Às vezes, não há vida inteligente, mesmo, mas nos
dois lados: este, costumeiramente definido como 'gospel', e aquele, definido
aqui como 'música popular'. Porém, quando deparamos música inteligente nos dois
lados, ficamos satisfeitos, felizes e muito bem recompensados. Carregamos a
letra conosco, às vezes, de novo, por dias, refletindo em suas verdades.
"Recomeçar", do gênio musical Paulinho da Viola, é um samba
que fala sobre perdão. Perdão é o ponto central da fé. Perdão atende à fé, que
vem em socorro deste ponto central da revelação de Deus, que Se revela porque
quer perdoar. Quer de novo, para si, a comunhão perdida com o homem. O ponto central
da história do Livro, da Bíblia, é o perdão, fruto único do amor, sem o qual,
nem um, nem outro seriam possíveis.
Recomeçar. Vai, então, aí, a letra:
reflita e veja se não tenho razão em dizer que, desta vez, o sambista magistral
magistralmente deu uma aula de perdão:
Recomeçar/Do que restou de uma
paixão/Voltar de novo à mesma dor sem razão/Guardar no peito a mágoa sem
reclamar/Acreditar no Sol da nova manhã/Dizer adeus e renunciar/Vestir a capa
de cobrir solidão/Para poder chorar
Somente o tempo faz a gente lembrar/Do
sofrimento que não quis perdoar/E todo o mal reprimido/Pode, afinal, nos
deixar/A vida tem seu renascer de uma dor/Toda ferida um dia tem que fechar/E
quem secou esse pranto/Pode novamente amar
Recomeçar, repete. Ouça num desses
sites de música da internet. Coloque no seu celular e, enquanto dirige pro
trabalho, amanhã, pela manhã, ouça Paulinho da Viola e sua aula sobre perdão.
Se quiser marcar um modelo de compreensão deste samba, vá verso a verso. Senão,
vejamos:
‘Recomeçar,
do que restou de uma paixão’, destaco aqui os vocábulos ‘restou’ e ‘paixão’.
Realmente, paixão, que é, digamos, um amor improvisado, meia sola, só vai
mesmo, um dia, terminar e deixar marcas negativas. Mas, do que restou, é
possível, aprendendo lições, recomeçar. ‘Recomeçar...’, repete, como dica e
contraponto, na melodia, o sambista.
E ele explica
o que é esse recomeço: ‘Voltar à mesma dor’, veja bem, que ele ensina que é ‘de
novo’, porque essas marcas costumam voltar, toda a hora, de vez em quando, à
mente. E a dor, essa dor dessa marca, ele doutrina, é ‘sem razão’. Reflita e
aprenda que é uma mágoa e uma dor sem sentido. Aprendendo perdão: é ou não é?
Guarda no peito
a mágoa, sem reclamar, ensina o sambista, ou seja, tratamento da memória da
mágoa e da dor, da marca que ficou. Se fosse, lá atrás, amor, não seria paixão,
não ia acabar – a Bíblia ensina que o amor jamais acaba – e não haveria marcas.
Então, aprenda com a memória da mágoa e da dor, ensina ele, porque, nesse
contexto, no contexto da dor, a vida sempre tem seu recomeço.
Então, ele indica
(1) haverá um novo sol de uma nova manhã, (2) será possível dizer adeus a toda
essa mágoa e dor, (3) note lá, na letra, a palavra renúncia – outro ponto de
partida, na Bíblia, lembram, Jesus dizendo ‘negar-se a si mesmo’? – e (4) ‘capa
de solidão’, é porque essa guerra contra a mágoa e a dor, parto necessário ao
perdão, é solitária e, certamente, envolve choro. Pode chorar escondido, que
Deus vê: o nome disso é oração. Não há como aprender perdão sem uma parceria
com Deus.
Módulo 2, segunda
estrofe, assim aqui definida. O tempo é o mestre, para quem aprende e se demonstra
sábio e isento de malícia, de vontade de perdoar e é valente, muito macho e
muito fêmea para tanto. Diz o mestre: ‘Somente o tempo faz a gente lembrar/Do
sofrimento que não quis perdoar’, ou seja, quem não procura esquecer, ou
melhor, quem não sabe conviver, de modo positivo, com a memória da dor e da
mágoa, vai sofrer continuamente. E a culpa será, exclusiva e propriamente sua,
de si, desse que não aprende a perdoar. Como dizia Cid, meu pai, ‘vai pela vida
afora’ e não aprende. Então, que se envenene e envenena outros pois, de novo a
Bíblia, está lá: raiz de amargura contamina quem a conserva dentro de si e
contamina quem está perto.
Se houve
aprendizado, diz o mestre sambista: ‘E todo o mal reprimido/Pode, afinal, nos
deixar’. Eu desejo destacar, aqui, duas palavras: ‘E’, assim como ‘afinal’. O ‘e’
indica que trata-se de um processo, ou seja, para que o mal abandone o freguês,
é necessário o que foi dito antes, ou seja, o trabalho do tempo na vida de quem
se fez sábio e humilde, aprendendo a renunciar a si mesmo. E ‘afinal’, é porque
vai haver cura. Afinal é advérbio de tempo. Vai chegar o tempo do alívio, tempo
esse que pode ser abreviado, caso a renúncia e o negar-se a si mesmo sejam
exercitados.
Para terminar, nas
derradeiras linhas desse sermão de Paulinho da Viola, que não é gospel, mas é
popular, ele diz que a lição aprendida é que (1) a vida só recomeça e somente
nasce da dor, ou seja, é um parto todo o dia; (2) feridas existem, mas são
feitas para serem fechadas, tratadas com óleo, pensadas, também, com vinho ou
vinagre, e até mesmo sal, se for o caso; ‘Toda ferida, um dia, tem que fechar’.
Se
existe, por aí, alguém interessado em aprender do amor, entenda uma coisa, somente
e somente se: ‘E quem secou esse pranto/Pode novamente amar’, ou seja, não há
outro caminho a percorrer para quem deseja aprender a amar. Não existe outra
fórmula ou outro caminho a percorrer. Somente quem secou esse pranto, quem
chorou esse choro e quem secou essas lágrimas pode, nova (e verdadeiramente)
amar. Trata-se de um processo do qual não é possível escapar ou abrir mão de,
no aprendizado do amor e do perdão.
Não é gospel, é
popular, mas é uma aula da Bíblia, de amor e de perdão. Como dizia Jó, ouvido
tem que ter paladar. Então, apura teus ouvidos e, como diz Paulo, examina tudo
e retém o que é bom.
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