Havia um carro. Antes deste, o primeiro. Um Gol 1980, verde metálico, corroído da linha da metade da porta para baixo. Meu pai era pastor em Seropédica, na época um distrito de Itaguaí, hoje município, de destaque, pois onde se situa a UFRRJ.
Ovelhas dele, o Alício, lembro o nome, que tinha sua casa colada ao templo da igreja, mantinha em casa um oficina de autos concorridíssima. Mecânico muito experiente, se não me engano, fora também caminhoneiro.
Inusitado é que Alício era portador de uma doença degenerativa nos olhos. Então, e a isso eu assisti, vi-o apalpar peças ao redor do motor de veículos, indicando e perguntando ao mais velho, José Paulo, o que via com os olhos dele.
Seguia orientando. O menino com ele dialogava. E a mecânica ia se resolvendo, pelo tato e experiência do pai, com os olhos do filho. O pessoal da igreja, aliás, um dos maiores piadistas, o diácono Nicolau Tunala, ria de ver, desta vez, um chapéu dirigindo a caminhonete da família: era o caçula, acho que Maurício seu nome, sentando no colo do pai, com o chapéu dele, ao volante, enquanto Alício acionava pedais e marcha. Assim percorriam os labirintos dos bairros internos da Universidade, para atender emergências, onde se confundem as unidades de departamentos dela com locais de moradia como, por exemplo, Agronomia.
Pois foi Zé Paulo que acusou esse apodrecimento precoce da lataria verde-metálica, propositalmente assim pintada, desse Gol 1980. E eu estava na oficina ali do km 49 da antiga Rio-São Paulo, em Seropédica, justo porque capotara com o carro numa curva da Estrada do Caçador. Ixi! Vou falar muito desta estrada ainda.
Explico. Estávamos, família toda, Dorcas, Cid e eu, no Sítio Bom Pastor, assim identificado por Onésimo, dos três, o irmão do meio de minha mãe. Eu havia trocado todos os quatro pneus desse referido Gol 1980. Novinhos, pretinhos, e eu, novo de carteira, acelerei bravo num curva, estrada de terra.
O bólido verde-musgo-metálico desarvorou numa bruta derrapagem. Sabe-se como são derrapagens. Ainda mais para novatos de carteira. Total desorientação. O volante, levíssimo, eu o movia a lado e outro, próximo dos 360⁰ de mobilidade. E nada.
O carro tomava o rumo que queria. E havia, a estrada era senda estreita, um parapeito natural de terra, mini barranco à altura dessa meia porta do carro, essa mesma, de onde para baixo, a lataria podre foi substituída por plastic, segundo acusara o Zé Paulo, pois meus olhos não eram acurados para tanto.
Por cima desse barranquinho, uma cerca de arame farpado, e, lá embaixo, talvez, pelo menos, uns 3 a 4 m de altura, um trecho de pastagem. Ao ver o carro desgovernado, seguindo o rumo que escolhia, ainda mais motivado pelo meu desgoverno ao volante, girando a lado e outro, quando a regra é soltar volante, deixar aprumar e, quem sabe, orar, desesperei-me revolvendo o volante leve.
Foi quando o Gol 1980 decidiu chocar-se contra o barranquete e, pelos princípios da física, por si mesmo, alavancar-se no impacto, pôr-se a si mesmo sob duas rodas, mais especificamente as do meu lado, arrastando-se, impiedosamente, com a lateral verde-metálica no terreno arenoso, eu já achando que, ou ficaria de ponta-cabeça ou despencaria no pasto lá embaixo, talvez o pânico, talvez a oração, dei com a mão direita no banco do carona, num superesforço, foi então quando, quem sabe, pela oração do pânico, dessas não formuladas, mas expressas por instinto (de sobrevivência) aterrissei atravessado na estradinha.
Ufa! Apareceu alguém, que não sei de onde, nesse trecho de sitiantes, deduzi que a tudo assistiram, para me ajudar a pôr o bólido encostado ao barranquinho, agora amigo, que evitara, mesmo a custo do meio risco de capotagem 180⁰, que eu me precipitasse pasto abaixo. Oh, barranquinho amigo!
E ali ficamos, comentando, carro inativo, porque aqueles Gol de época, atrás, tinham um eixo de rodas traseiras inteiriço. No meu caso, com a capotagem 90⁰, ele amassou e travou a roda traseira na lataria. Mais tarde, indo a Seropédica, narrando essa aventura acima ao Zé Paulo, ele trouxe um afastador, após ter deduzido a necessidade de seu uso, até o local do sinistro. E foi quando segui, com um certo rebolado, atrás, de eixo descêntrico, a caminhonete da oficina, para levar o bólido Gol 1980 verde-musgo-metálico para a respectiva funilaria e mecânica de troca para um novo eixo.
Daí ele dizer: O Sr não notou não, essa diferença entre a meia porta, friso para cima, e a parte de baixo? Respondi não, nada havia notado. Plastic puro, está toda podre. Continuei sem notar a sutil diferença, que os olhos lúcidos dele logo perceberam.
Mas o motor era o máximo. A prova foi a aceleração com pneus novos, numa reduzida para a terceira marcha, numa curva de estrada de areia. Tudo isso para dizer que a venda do Gol 1980 verde-musgo-metálico vai propiciar a troca por um Gol prata 1984, de dupla carburação, cuja venda, agora deste, servirá como entrada para a compra do ap. Lembram, que esta havia sido a deixa para a continuação?
SEGUE (Haja paciência).
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