Jesus ninguém
Noel Rosa tem uma composição
sua nomeada João Ninguém. Clique no link abaixo e ouça por que esse João está
assim designado. O pronome “ninguém”, que já se qualifica indefinido, cola no
nome João como se virasse um adjetivo.
O que, mais ainda, identifica ou desqualifica, por assim
dizer, esse João. Sem dizer, quer dizer, dizendo que João já, ainda que, como
nome próprio, é frequentemente usado como generalização de, exatamente,
ninguém.
Quando
se diz João, como no caso do famoso driblador Mané Garrincha (1933-1983),
indicava qual o zagueiro ou defensor da hora, a levar mais um de seus dribles.
Era tão certo que, aliás, como seu único tipo de drible, que Garrincha iria,
como agora extinto ponta-direita, passar até a linha de fundo, todos, indistintamente,
eram classificados como Joões.
Pois
João Ninguém pode também ser considerado o autor do quarto Evangelho.
Romanticamente, dizem alguns estudiosos, costumamos associar a identidade desse
João ao personagem “discípulo amado”, exatamente pela história narrada e pela
qualificação encontrada no próprio evangelho, ver Jo 13,23.
Sem
discutir essa avaliação aí escrita, o que desejamos ressaltar é a capacidade de
afirmar que os diálogos e discursos de Jesus, no notável quarto evangelho,
sejam ipisissima verba (palavras
literais) do próprio Jesus.
Porque,
se não podemos ter isso confirmado, o João do quarto evangelho é um João
Ninguém. Longe de depreciar a figura desconhecida da autoria, como destacam
esse estudiosos, e também sem associar máxima identidade o João de Noel Rosa
com esse anônimo ou desconhecido evangelista cognominado João, apenas destacamos
tratar-se de ninguém identificado.
O
que compromete, em minha nem talvez tão modesta opinião, o conteúdo do
evangelho. Por que a pergunta por, afinal, palavras de Jesus que, na verdade,
não são palavras de Jesus e se, afinal, Jesus falou mesmo o que ali vai escrito
ou tudo não passa de um rol de telúricas palavras, ainda que, muito bem intencionadas, a
ele atribuídas.
João
Ninguém também o será o do Apocalipse. Não deve ser o João, discípulo amado. Se
suspeita-se dele, em relação ao Evangelho, em relação ao Apocalipse é que
lava-se, de uma vez, a égua (ao inverso), ou seja, tem-se plena certeza de que
não pode ser o mesmo autor do Evangelho. Talvez um tal João presbítero, outro
João e, talvez ou certamente, mais Ninguém ainda.
Não
se discute ou se deprecia, evidentemente, a grandeza, a envergadura desse
Evangelho, em muito diverso dos outros três, que seguem um esquema definido,
daí ser identificados como sinóticos, ou seja, portadores de uma visão
compartilhada, entre esses três, a partir de uma subdivisão que Marcos, o
primeiro deles a ser escrito, idealizou.
Todos
os três, do mesmo modo que o quarto, quanto à sua autoria, são respingados por
esse mesmo método que indefine se são, como encabeçado em cada um, como
autores, os nomes Marcos, Mateus ou Lucas. Joões Ninguém. Para ficar, somente,
na autoria. Fora a discussão sobre os fatos narrados, se cada um deles é fato
histórico com registro e, ponto mais delicado ainda, os milagres.
Transita-se, com muito cuidado, por esses meandros. Pois corre-se o risco de, no final das contas, ainda que com o perfil por eles quatro traçado, tenhamos não um João, mas um Jesus Ninguém.
Noel Rosa: João Ninguém
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