sábado, 24 de março de 2018

No Blog, sobre Marielle

        Marielle Franco, presente.

        E nem me lembro mais como chegou a mim essa notícia. Também não sei como chegou a tantos outros e seu efeito.

       A família já reclama do tempo preso à tela do smartphone. Certamente, foi através dele que tomei conhecimento.

       Sempre que, como pastor, dirijo cultos fúnebres, se assim se quiser denominar, costumo dizer que sempre há quem sofra  mais por estar mais proximo ao finado.

        O que dizer? Sim, é certo dizer, desde o assassinato de Abel, que a Bíblia diz ser o primeiro, por razões fúteis, qualquer assassinato é tão chocante quanto qualquer outro.

        Há um erro em comparar graus de importância entre eles. E como disse Deus ao assassino, o sangue do morto clama da terra. Serve para todos os assassinatos já cometidos e ainda por cometer.

      Razões fúteis, no caso de Marielle, somaram-se, de modo absurdo, a tentativas de justificativas. Algo do tipo: "Ora, ah mas, também!"

       E vinha uma relação de senões que, alinhados, evidentemente, nunca juntos justificariam o crime cometido, mas desejava-se que servissem, a um só tempo, por declaração de culpa contra a vítima e atenuante aos assassinos.

       Assim, continuou-se a matar Marielle. E ainda sem falar em sua figura pública e no que representava, sem ainda falar nos tais 46.000 votos que, na verdade, por causa de sua condição cidadã, são todos os votos do Brasil e todos os mais de 200 milhões de habitantes.

       Sem falar nesses votos, matava-se de novo a continuava-se a matar e continua-se matando, na realidade nua e crua, no discurso e na mentalidade de muitos continua-se matando mulheres, negros e negras, homoafetivos, pobres.

         Mas também são mortos e mortas mulheres brancas, ricos, capitalistas, enfim, qualquer politização simplista nessa hora somente ajuda a quem vai continuar matando.

         Próximo daquela noite fatídica, pouco antes, pouco depois, mataram um pai na frente do filho de 5 anos, no Cachambi, mataram um filho de 1 ano e 7 meses na frente do pai, no Alemão e mataram Marielle no Estácio.

         Ela defendia direitos humanos. Não sei se há hierarquia entre eles, mas liberdade é um dos primeiros. Alguém me perguntou: "Por que Deus não evitou a morte de Marielle, ou do menino, ou do pai na frente do filho?

         Não sei. Nem sei por que na Bíblia, ao invés de falar a Abel que fugisse de Caim, Deus procurou o assassino, para que não matasse. Deus quis confrontar Caim com a proposta absurda que ele engendrava.

        Foi assassinato engendrado. Marielle defendia a liberdade até de alguém escolher fazer o que fez. Homem e mulheres, negros ou de qualquer raça e cor, têm liberdade de fazer suas escolhas.

          Bom seria que nunca optassem por matar. Porque o sangue de quem morre clama da terra. O que Deus diz aos assassinos? O sangue clama diante de mim: na minha cara, na sua cara e na de todos.

          Nunca ninguém que tenha direito de escolha, de exercer sua liberdade no espaço restrito que os regimes e ideologias humanas permitem, nunca diga que Deus tem a ver com suas escolhas. Existindo Deus ou não, assuma suas escolhas.

        Marielle defendia esse direito de fazer escolhas, o máximo possível sem cerceamento de direitos. No Apocalipse, no seu final, está escrito: "Continue o injusto fazendo injustiça". Trata-se da refinada ironia bíblica.

          Que absurdo contexto é esse dessa fala acima? Três advertências o antecedem: (1) não sele o livro; (2) ele contém palavras de profecia; (3) o tempo está próximo.

           São os absurdos da Bíblia com mais os absurdos da condição hunana: 1. Deus procura sempre o assassino para confrontá-lo com a opção que escolheu; 2. O Livro também adverte faça o que bem quiser, exerça liberdade de escolha, mas dará contas a Deus.

         Perdeu. Quem exerce seu direito no império da violência sempre sai perdendo. Clama o sangue do justo Abel, diz a Bíblia. Clama o sangue da negra Marielle. Clama o sangue de tantos outros.

         Quando Deus interpelou Caim, perguntando, como se já não soubesse, "onde está Abel?", pergunta também: "Onde está Marielle?". Caim retrucou: "Não sei; sou eu guardador de meu irmão?".

         Sim, Deus responde: todos somos guardadores do irmão. Sim, Marielle responde: todos somos guardadores de nosso irmão. O sangue clama contra a cara de Deus. Clama contra a nossa cara. Clama contra a cara de todos.

       E Caim? Sumiu no mundo. Escondeu sua cara. Mas tem a marca de Deus consigo. Não se deve nunca fazer com ele o que ele fez com Abel. Assim fala Deus, assim falou Marielle.
       
         

     

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