quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015


  Deus é amor: uma definição? Ou, outro título: ao inverso.

     Continuando com a sentença joanina, Deus é amor não somente define Deus, assim como expressa que Ele é amor para fora de Si. Isso quer dizer que não se trata de exibicionismo, ou seja, que Deus é amor por uma questão de marketing, como se precisasse definir-se por um sentimento nobre, tipo exportação e, para tanto, escolhesse "amor" como esse sentimento. Ele é amor para fora de Si mesmo. É amor porque ama, nunca deixa de amar, expressa com ações e atitudes, sempre positivas e afirmativas Seu amor e ama a todos, indistintamente, não faz, absolutamente, acepção de pessoas e, como diz o próprio Gênesis, viu todo o quanto fez, o que criou, e eis que era muito bom, portanto, Deus ama todos e tudo o que Ele mesmo criou, Ele mesmo fez. Ufa, termina aqui esse, pasmem, primeiro parágrafo.

     Portanto, de novo, se Deus é amor para fora de Si mesmo, é por isso que deseja que todos amem como Ele ama e deseja, mesmo, que todos sejam a sua imagem e semelhança. A questão a ser discutida aqui é se há outra opção, ou seja, numa possível rejeição desse modelo, digamos, divino, há outra opção? Alguém diria, não estou nem aí para esse, vamos dizer, "amor divino": vou escolher meu próprio tipo de amor e vivê-lo ao meu bel prazer, tenho liberdade de escolha, tenho livre arbítrio, meu modelo quem escolhe sou eu, nada da "tradição judaico-cristã" no meu pé, no meu perrengue, tô nem aí, tô nem aí. A pergunta é se existe vida inteligente, não para fora do planeta Terra, mas para fora desse modelo de amor. Quem não priva dessa semelhança com Deus, por opção mesmo, por escolha, quem não compartilha com Ele essa escolha, que outra opção de amor experimenta? Ou não experimenta? Ou experimenta outra coisa, bem próxima, semelhante, até, mas que não é amor? Aliás, essa "coisa" existe? Existe amor fora do amor?

    Vamos imaginar total ausência ou inexistência de amor. O que seria, num certo sentido, fácil de pressupor. Basta imaginar o inverso, ou seja, se Deus é amor, vamos imaginar a situação de "não Deus". Isto é, que Ele não exista. Se fica difícil (para alguns, é claro, muito poucos, talvez uma minoria) imaginar não existir Deus, vamos imaginar que Ele exista, mas que não esteja nem aí para essa questão de "amor", ou seja, Ele existe de Si para Si mesmo, despreocupado com o planetinha aqui embaixo. Algo parecido como a vitória total do evolucionismo: somos, sim, mas a partir da ameba existencial, hipocondríaca, Deus nunca existiu, nem nunca existirá, é uma abstração humana, uma criação nos estágios primários da civilização. Então amor seria essa coisa abstrata, sim, que criamos, que nomeamos, sim, passível e possível de, como diz Paulo em 1 Coríntios 13, de rasgos como dar a própria vida, dar todos os bens, enfim, mas que ele mesmo diz que pode ser feito sem que ocorra amor, este, o verdadeiro, o autêntico.

       Não existe Deus. Situação de não Deus. Então não existiria, evidentemente, amor, também, pelo menos na concepção joanina, porque ele afirma que Deus é amor. Numa situação de "não Deus", ocorre uma situação de "não amor", pelo menos, façamos uma concessão, na acepção de "Deus" e "amor" conforme João os define e faz equivaler. Portanto, vamos imaginar a existência humana sem amor. Vamos imaginar o inverso. E, como já existe o inimigo do Outro, o adversário, a contrafação absoluta, pelo menos uma tentativa de, não precisamos inventar. Já está nomeado: o adversário é satã, satanás, o inimigo, a contrafação, o sem amor, em estado absoluto. É claro que, para os que não acreditam em Deus, não acreditarão, também, na existência desse demônio, o principal ou príncipe, como a Bíblia o nomeia, o "deus deste século", como também a ele se refere. Em nossa experimentação, estamos tentando imaginar uma situação de existência "sem amor" e, para tal, evitando de criar aqui um ser desprovido de amor, vamos refletir sobre a inexistência ou rejeição total do amor num ser já nomeado e (re)conhecido.

       Seria o ser da rebelião, da revolta contra Deus, da negação do amor de Deus. Como está registrado em Isaías 14, esse ser queria ser Deus, mais, queria se colocar acima. Comparado esse texto a Filipenses 2, aqui está escrito que Jesus "não usurpou para si o ser igual a Deus", exatamente o oposto planejado ou almejado por satã. Fica definido o que e quem é a posição contra Deus, contra ser como Deus é, a posição, por excelência, contra o amor. O que, seria a inexistência de amor, e quem, seria satã, aquele totalmente sem amor. Não que fosse necessário, por questão de método, assim pressupor, mas é que, está constatado, posições contra o amor estão patentes na condição humana. Uma comparação rasteira, seria com os próprios e (injustamente) chamados animais irracionais, que nunca agem irracionalmente, porque seguem seus instintos, e somente são predadores em duas circunstâncias: (1) quando atacados, visando sua sobrevivência ou (2) na cadeia alimentar, quando são predadores do imediatamente abaixo, o que não é senão e novamente sobrevivência. E eles não atacam o meio ambiente. O ser humano, chamado racional, desdenha, humilha e até mata o semelhante, por motivos fúteis e, sistematicamente, destrói o meio ambiente.

       Supondo não existir Deus e o "amor" ser não Deus, em essência, mas uma idealização, uma utopia, uma abstração humana, uma linda ilusão, mesmo assim o homem não é capaz de sustentar essa suposição, esse estado ideal de coisas, essa igualdade entre si, com respeito ao semelhante, assim como uma condição de sustento e preservação do meio ambiente, a natureza que lhe é vital à sobrevivência neste sofrido planeta. O homem, que reclama que a condição de ateísmo, por si, seria sustentável e que ele, o homem, não precisa de Deus para ser bom, está provado que, com ou sem Deus, o homem, de si mesmo, não é bom. O problema do homem não é a existência ou inexistência de Deus, mas o problema do homem é ele mesmo. Mesmo que tente, não consegue ser amoroso. Mesmo para ter como muleta existencial, mesmo inventado, o homem necessita de deus (ou de Deus), mas, ainda assim, de nada adianta. Ele é um fracasso, pelo menos nesse mister de tratar o outro como igual. Pelo menos no rasteiro de só fazer ao outro o que gostaria que o outro lhe fizesse. O homem é um suicida inveterado: mata a si próprio, destrói sua relação com o outro e, de quebra, de letra, de esguelha, destrói o planeta.

          O inimigo de Deus, esse, conhecido como satã, que a si mesmo se constituiu, desejou ser Deus ou ser mais do que Deus. Desejando ser Deus, anulou, para si, o Outro.  Escolhendo ter comunhão com Deus, objetivo final da revelação de Deus e definição do que é, autenticamente falando, "igreja", conservaria, para si, o Outro. Mas desejou ser maior, acima, plenipotenciário. Na mesma carta aos Filipenses, Paulo diz que devemos considerar o outro mais do que nós: considerai cada um o outro superior a si mesmo. Marcos, no seu Evangelho, diz que Jesus não veio para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em resgate de muitos. Jesus é o servo modelo de Deus. Satã, não apenas desejou ser Deus ou ser-Lhe superior, mas rebelou-se definitivamente contra Deus ou contra as concepções, os conceitos, as opiniões e conduta divinos. Definitivamente, contra. Por isso Deus o precipitou céus abaixo e, para ele, inaugurou um novo domicílio conhecido, desde os primórdios das eras, pelo nome de inferno.

           Uma vez me perguntaram sobre inferno. Aliás, do muito pouco que conheço de Sartre, cito aquela gasta frase por tantos citada, mas, sem dúvida, lapidar, quando diz que o outro é o nosso inferno. Talvez inferno seja a anulação do outro. Fora de comunhão não existe vida. Fora da comunhão com Deus é o inferno. E, como Deus nunca obrigou ninguém (ou alguém) que não queira considerar-se igual ao outro encarar isso como essencial ao amor, quando não quer, não é obrigado a isso, não é forçado a isso. Mas céu é o lugar onde todos são o mesmo, em igual valor. Inferno, o lugar onde ficam preservados os esteios do que vemos no planeta, onde não há reciprocidade e respeito mútuos. O inferno não é aqui, mas começa aqui. Olhe ao redor. O outro não é nosso inferno, mas nós mesmo somos o nosso inferno. Por isso Jesus disse que é necessário nos anularmos. Ele disse rejeite sua vida e assuma a minha. Ele disse se alguém não perder a sua vida, perde-se. Ele disse, morra e ganhe sua vida. Continue vivendo, e perca-a. Pretendemos continuar.

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