sábado, 31 de janeiro de 2015


  Parecidos, sim, com quem?

             Somos parecidos. Com quem? Entre nós mesmos, ora. Não me refiro, aqui, a parentesco, que são caprichos do DNA herdado. Falo da massa humana. Somos parecidos. Aliás, o Gênesis afirma que Deus nos fez a sua imagem e semelhança. Semelhança esta perdida, é claro. Lá adiante, nessa mesma história, no Deuteronômio, Moisés afirma que somos, ou melhor, no curso dessa mesma história nos tornamos manchas. Mancha é uma deformidade. Não tem semelhança definida. Ora, ao final das contas, somos todos semelhantes nessa mesma dessemelhança.

          Parecidos com quem, afinal? Paulo, aos Efésios, recomenda-nos, sede imitadores de Deus, como filhos amados. Essa recomendação do apóstolo, mesmo sem uma exegese de ponta do texto, deixa claro que aqui, com essa palavra dele, pretende-se restaurar a condição descrita linhas acima. Paulo está afirmando, por sua própria conta e risco, que é possível, sendo amados por Deus, que somos, podemos imitá-LO. Demonstração recíproca de amor, constatação, prova cabal e final de que, amados por Deus, podemos amá-lo da mesma forma e, nessa troca recíproca, em amor, podemos imitá-lo.

           Aí vamos bater nossos costados lá no texto que, quando prego sobre ele, digo que possui a maior concentração, entre todos os textos da Bíblia, da palavra "amor". Conhecemos e citamos muito 1 Coríntios 13, o mais conhecido. Mas em 1 João 4:7-21, nesta concentração de 15 versículos, a palavra amor aparece cerca de 30 vezes, como se fossem 2 vezes a cada versículo. Na verdade, trata-se de uma aula de como "amor", como substantivo, e "amar", como verbo, como ação se tornam possíveis em nossa conduta. Começando por uma afirmação de João, isto que chamo de absoluto descuido, absurdo e reducionismo desse discípulo, ironicamente assim chamado "apóstolo do amor".

             João escreveu "Deus é amor". Ora, os judeus, como ele, de nascimento, em sua gramática, não usam o verbo "ser" como nós, por exemplo, usamos, como elemento de ligação. Se, por exemplo, um dia perguntassem a João, "como é seu nome?", ele diria, em resposta: "Eu, João". Ele nunca diria como nós, brasileiros, dizemos: "Eu sou João" ou "Eu sou o João". Lembram quando Moisés, em sua luta para fugir ao ministério que Deus queria para ele, perguntou para Deus "qual é o teu nome?" E a resposta de Deus foi "Eu sou o que sou", diga a eles, os judeus, "Eu sou me enviou a vós". Por isso, o judeu não usa o verbo "ser", porque o único que "é" é Deus, entendido?

              Daí João dizer "Deus é amor", tornar-se perigosíssimo. Por que seria reducionismo? Camarada, Deus é só amor? Quanto mais Deus é? Caramba, infinito, indizível, indefinível. Se queremos transferir essa definição para outro contexto, sem medo de errar, podemos recorrer a outro texto de João, desta vez no seu Evangelho, quando ele diz "o verbo de fez carne". Sim, verbo, aí, é logos que, no grego, significa palavra. João está dizendo nesse contexto que Jesus é a Palavra, ou seja, quer uma definição completa de Deus, queremos que toda a Palavra ou todas as palavras, se concentrem numa só Pessoa, uma definição completa e acabada de Deus, basta encarar Jesus de frente. Lembram, agora em João 14, quando Felipe pediu a Jesus, com medo da solidão, já que Jesus anunciava sua morte, ele pediu "mostra-nos o Pai"? O que Jesus respondeu? "Quem me vê a mim, vê o Pai". Que que é isso, Felipe: como você pode dizer 'mostra-nos o Pai'? Um absurdo de Felipe: quem vê Jesus, vê o Pai. Ponto final.

                Na verdade, o próprio João, em todo o seu evangelho, está se dedicando a deslindar esse nó, qual seja, dizer que Jesus é a "expressão exata de Deus" (citação esta do autor da carta aos Hebreus, confere com João) ou que "nele (em Jesus) habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (confere, aqui, com Paulo, aos Colossenses). Nessa linha aí. Então, nos desviamos do foco. Surfando nestas águas, vai indo tudo bem mas, recapitulando, desviamo-nos, ainda em João, para a ideia de que Jesus revela Deus, sem tirar nem pôr uma linha sequer a mais ou a menos. Mas o que desejamos encarar aqui é a afirmação corajosa, definição de uma palavra, para constatar que não seja absurda ou descuidada, de que seja possível definir Deus nessa única palavra "amor".

             Ora, que outros atributos, socorra-nos a teologia, Deus possui? Capítulos e mais capítulos, arranhando, aqui, as aulas de Teologia no banco do Seminário, no meu caso lá se vão quase 35 anos, Deus possui atributos comunicáveis, ou seja, que Ele, prazeirosamente compartilha conosco, concedendo-nos, esses mesmos, que nos tornarão, de novo, a sua imagem e semelhança, e possui outros atributos incomunicáveis, que fazem parte da Sua natureza, que o definem como Deus, estes, por isso mesmo, incomunicáveis. Somente Jesus e o Espírito Santo os compartilham com Deus. Por exemplo, só Deus é bom, mas nos comunica Sua bondade; só Deus é inteiramente justiça, mas nos comunica Sua justiça; só Deus é, em essência, santo, mas nos comunica Sua santidade. E assim vai nos formando, nos modelando, em Jesus Cristo, a Sua imagem e semelhança. Obra essa que, segundo diz Paulo aos Filipenses, Deus vai completando em nós até o dia de Cristo. 

            Aliás, voltando à questão "Deus é amor", podemos começar a entender essa afirmação pelo oposto dela mesma. Imaginemos um ser que não seja, em absoluto ou, raciocinando de outra forma, um ser que nunca seja alcançado pelo amor de Deus, absolutamente. Sim, esse mesmo, satanás. Ele é o oposto disso tudo. Aliás, foi o único ser que disse para si mesmo que desejava ser Deus, colocar-se, até mesmo, se fosse possível, acima de Deus: satanás, e isso define sua personalidade, quis usurpar o lugar de Deus. Ele é um ser totalmente privado de amor. Desprezou, em sua origem e, por excelência, o amor de Deus. Trata-se do oposto de tudo isso. Expulso da presença de Deus, como diz Isaías, foi precipitado ao seu próprio condomínio, no inferno, explica-nos Judas lá no finzinho do Novo Testamento, em sua esclarecedora epístola. Jesus, homem perfeito, tornou-se Deus feito homem, como diz Paulo, ainda, aos Filipenses, quando "não usurpou para si o ser igual a Deus". O oposto de satanás. Jesus, Servo, totalmente servo, enquanto satanás é todo rebeldia.

               No próximo texto, vamos adiante neste rumo, entendendo a diferença entre seres que têm em si o amor de Deus, com quem o próprio Deus reparte este que é o atributo definidor de Sua personalidade, e o estrago que representam seres em quem não se encontra, em absoluto, o amor de Deus.

         
       

Nenhum comentário:

Postar um comentário