segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015


  O Livro dos Salmos: um Livro de Oração

         Livro de Oração, historicamente, refere-se a um auxílio ao orante para que seja instruído no modo como dirigir-se a Deus, em sua oração individual, ou como deve orientar-se na liturgia no momento de culto. Muito provavelmente, no intuito de que não se equivocasse quanto à maneira correta ou em que e como, no momento do culto, fazê-lo. O Livro dos Salmos é uma coleção de textos de gênero diverso, porém, todos eles relacionados a esse modo específico de se dirigir a Deus ou dele falar de modo aberto, franco e direto, alguns melhor elaborados, outros de modo mais livre em sua linguagem.

            Gêneros literários são modalidades de textos diversos distinguidos entre si por características próprias de identidade. Por exemplo, os textos do Livro dos Salmos são, genericamente, poéticos, porém distinguem-se entre si quando levados em conta os conteúdos desses mesmos textos. São, também, em grande escala orações, poemas específicos ou hinos pelos quais o eu lírico, aquele que fala, dirige-se a Deus expondo suas petições, sejam dramas, angústias ou mesmo louvores, ou falando a respeito de Deus, relatando o que dele pôde aprender e como aprendeu, ou ainda exaltando Deus, por seus feitos ou por obras da sua criação.

           Os textos são mais ou menos intensamente trabalhados, artisticamente, em função de sua autoria, com maior ou menor maestria de seu autor ou, ainda, em função do momento em que é composto, se mais ou menos distantes do drama que os motivam. É necessário, também, levar em consideração que se trata de poesia hebraica, com características diferentes da poesia das línguas que traduzem esses mesmo poemas. Portanto, aspectos da transposição ocorrida na tradução devem ser considerados.

       O conjunto de rimas e métrica verificados na poesia de língua portuguesa não têm correspondência na língua hebraica. Assim como os tipos de paralelismo característicos da poesia hebraica não têm correspondência na língua portuguesa. Então, para que detalhes do modo hebraico de se expressar não se percam e sejam melhor compreendidos, é necessário conhecer esses aspectos e sua devida correspondência.

Características peculiares

             Há Salmos, em 1ª pessoa, que retratam a fala direta do orante a Deus, expressando suas angústias, suas necessidades ou, simplesmente, sua gratidão. Outros Salmos são escritos em 3ª pessoa, expressando lições aprendidas e compartilhadas no relacionamento com Deus, de modo a instruir ou transmitir a outros. Desse modo, pelo menos dois grandes grupos de Salmos podem ser definidos, (1) aqueles em que se fala com Deus e (2) aqueles em que se fala a respeito de Deus.

          Outros dois grande grupos são (1) Salmos em que se ressalta a relação de Deus individualmente com o eu lírico ou (2) em que se ressalta a relação entre Deus e o povo. Quando se trata de instrução transmitida, do mesmo modo, aquelas que são resultado do trato individual com o orante ou aquelas que são resultado do trato coletivo. A seguir, vamos expor traços da mensagem dos 15 primeiros Salmos, atentando para as suas particularidades, em relação a pontos em que se assemelham e em que se diferenciam.

O conjunto dos 15 primeiros salmos

             Neste primeiro conjunto, aleatoriamente escolhido, encontra-se uma introdução, indicada por um Salmo de Sabedoria, em seguida apresentadas 8 orações, 3 Salmos de Lamentação, um Salmo de Exaltação e, encerrando esse grupo, mais dois Salmos de Sabedoria. O gênero Sabedoria encerra, como característica, um grupo de textos que é reconhecido por suas máximas universais, cujo objetivo é instruir o justo para que prive da sabedoria do próprio Deus em seu procedimento.

            As Orações são melhor compreendidas, mais caracteristicamente reconhecidas e mais comuns entre os salmos do saltério, variando suas ênfases específicas, como neste grupo, onde aparecem, por exemplo, orações de intercessão, súplica, gratidão e louvor. Os Salmos de Lamentação são aqueles em que uma situação específica que, de modo frontal, contrarie os desígnios de Deus ou as expectativas do orante são destacadas, numa linguagem que demonstra a profunda tristeza do salmista.

Salmo 1

            Característico deste Salmo ser anônimo, do gênero sabedoria, muito provavelmente escrito ou selecionado, especificamente, como introdução ao saltério como um todo. Sua principal mensagem é indicar a meditação na Lei do Senhor como antídoto contra o 'conselho dos maus', sempre próximo e cilada pronta para o justo.

         "Toda a alegria do homem": começa com um construto plural que, literalmente, funciona como um título, o qual seria "Alegrias do homem que", a seguir definido como: "não anda", "não se detém", "não se assenta", significando três ações em gradação a que esse homem não se apega. Andar seria como ter despertada a atenção; deter-se, seria como parar para conferir; e assentar-se, seria entregar-se definitivamente.

        Os três graus, círculos e tipos humanos específicos de influência: andar, deter-se e assentar-se correspondem a três círculos de influência equivalentes e gradativos, que acabam por atrair o homem que não opta por resguardar-se na Lei do Senhor: "conselho dos ímpios", "caminho dos pecadores" e "roda dos escarnecedores". Numa visão esquemática teríamos:


                                   ALEGRIAS DO HOMEM
                                                   QUE
NÃO              ANDA                                      NO CONSELHO DE ÍMPIOS
NÃO (SE)     DETÉM                                     NO CAMINHO DE PECADORES
NÃO (SE)     ASSENTA                                 NA RODA DE ESCARNECEDORES

         "Antes o seu prazer": o homem que rejeita deixar-se atrair pelos três círculos permanentes de influência tem um antídoto para essa forte atração. Ao contrário, ele tem seu prazer voltado para outro interesse, que é a Lei do Senhor, na qual medita diuturnamente. O Salmo inicial do Saltério, a grande coleção de poemas do Antigo Testamento recomenda ao leitor que vai dedicar-se a percorrê-la, que assim a considere, não somente o saltério, como as demais partes de todo o Livro.

       Quando Jesus advertiu os discípulos de Emaús, denominando-os loucos, por tardar em reconhecer o valor e a precisão do que sobre o Messias estava registrado, discorreu sobre o que dele constava na Lei, nos Profetas e nos Salmos. Certamente nas três partes das Escrituras, da Bíblia que Jesus lia, constavam registros claros sobre sua própria identidade, incluído o Livro dos Salmos.

             "Como árvore plantada por sobre ribeiros de águas": Uma das figuras mais belas das Escrituras é essa que compara o justo a uma árvore bem plantada. Árvores e seus frutos, desde o Gênesis, são indicadores de resultados práticos ligados à conduta do homem/mulher. Assim como o Fruto do Espírito, no Novo Testamento, indica o resultado positivo da ação do Espírito Santo no homem/mulher. Três aspectos beneficiam essa árvore: (1) junto a correntes de águas; (2) dá o seu fruto no seu tempo; (3) suas folhagens não murcham.

          Essa árvore aponta para o caráter que esse homem adquiriu como resultado de sua escolha. Jesus, na festa dos Tabernáculos, em Jerusalém, disse que um rio de águas vivas fluiria de dentro dos que nele cressem. E o autor explica que esse rio significava o Espírito Santo que haveriam de receber os que nele cressem. Certamente as raízes dessa árvore devem estar profundamente fixadas nas Escrituras, a Cartilha do Espírito Santo. O segundo aspecto desse homem (ou mulher) é que dão seu fruto. Num texto de difícil entendimento, aquele em que Jesus amaldiçoa a figueira que nem estéril, talvez, fosse, mas que apenas não estava na estação de florir e frutificar, demonstra como Jesus se torna exigente com os frutos que o caráter do justo deve produzir. E, em terceiro, o viço do justo é permanente.

         "E tudo quanto ele faz será bem sucedido": Na Bíblia há exemplos de homens/mulheres em quem a vontade do Senhor prosperou. O exemplo típico e modelo de todos é o Servo Sofredor de Isaías 53. Trata-se do próprio Jesus. Mas fora desses textos, temos o exemplo de Josué, a quem Deus afirma que o tipo de homem que (1) faz segundo está na Lei de Moisés, (2) não cessa de falar desse Livro e (3) medita nele dia e noite, esse homem/mulher fará prosperar o seu caminho. Outro exemplo é o de José, em quem Faraó identificou a presença do Espírito de Deus, nas mãos de quem a vontade do Senhor prosperou.

         "Não assim os ímpios, não assim": em tom de lamento termina o Salmo 1, com muito pouco a dizer sobre o ímpio. Apenas repetitivamente afirma: "Não assim, não assim os ímpios". E a comparação que faz é deprimente, dispersiva com o vento que espalha a palha que, para nada mais, serve. Termina dizendo que os justos formam uma congregação, ao inverso daquele tríplice conselho do início do Salmo, essa congregação é o "Conselho dos Justos", no qual o ímpio não vai estar presente. 

       Definitivamente, o conselho dos ímpios, o caminho dos pecadores e a roda dos escarnecedores não são o lugar pelo qual o justo se deva sentir atraído, deter-se ou assentar-se. Como contraveneno, deve abrigar-se na Lei do Senhor, resguardar-se nela, ater-se aos seus ensinamentos, para cumpri-la diuturnamente e prosperar no que o Senhor lhe puser à mão para realizar.


         Versículo destaque: "E será como árvore
                                            plantada junto a correntes de água que
                                            no tempo devido dá o fruto dela
                                            e tudo quanto faz prosperará."

          


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