quarta-feira, 14 de abril de 2021

Tempos de Salesiano: ora, domínio de turma.

      No Dom Giocondo foi meu debut, tanto no Acre, ah!, e como isso foi gratificante, o fato de ter sido aqui, quanto na vocação que Deus me concedeu, como a minha mãe, na área da educação.

      Em meio aos conflitos dos corredores da PUC/RJ, nos anos de 1977 e 1978, eu aventara a hipótese de ser professor, na época, de física ou matemática, porque cursava engenharia. Era uma intuição antecipada. E quando iniciei, em 1989, ainda sem diploma de formado, mas com uma autorização da universidade, no Colégio Salesiano, de Rocha Miranda, ainda no Rio de Janeiro, ensaiava o que seria minha carreira futura.

        Foi um batismo de fogo. No pátio, orávamos, em forma, o Pai Nosso, que eu acompanhava sem problemas, a Ave Maria, que eu acompanhava calado, com cara contrita e séria, e a oração a Dom Bosco, que eu também acompanhava do mesmo jeito da Ave anterior. Ao final todos, menos eu, faziam o "pelo sinal" (da cruz). Acho que Jorge era o meu coordenador.

      Entrei em sala empolgadíssimo. Três livros de um mesmo autor, Atividades de Comunicação em Língua Portuguesa, do Sargentim (Hermínio G.), edição do IBEP, 1986, eram minha ferramenta de trabalho, todos me repassados pelo Jorge, se me lembro do nome do Coordenador. Quanta empolgação! Lembro que a primeira aula foi sobre verbos, pois elegi como assunto com o qual eu tinha mais intimidade e facilidade de transmissão.

       Ao final de uma exposição de quase todo o tempo de aula, a turma, que eu acho que era de 8o ano, sim, porque o Coordenador, na época, deduziu que eu deveria lecionar para as três turmas do 8o ano, devido ao que deduziu de meu perfil, a turma estatelou, olhando todos os olhos nos meus, como se nada tendo absorvido de minha explanação. Estatelei também.

      Ali eu começava a compreender que o que eu falava não precisava estar claro só para mim, precisava estar mais claro ainda para eles. E, de modo penoso, eu iria descobrir, como bem me começou a ensinar aquela que, na época, apenas havia 1 ano, era a minha namorada, que já lecionava no Colégio Pentágono, o que era "domínio de turma", crucial em sala de aula, de que eu nada compreendia.

       Essa experiência eu tentei impor na etapa seguinte, na escola Leocádia Torres, na estrada da Pedra de Guaratiba, de agosto a dezembro de 1994, já casado e pai do primeiro filho, quando fui convocado em função de minha aprovação no concurso de 1992, pelo município do Rio de Janeiro. Ano seguinte, eu ainda não sabia, iniciaria, já em Rio Branco, Acre, no Dom Giocondo.

      Regina, a esposa, exaustivamente me instruiu sobre as sutilezas do tal domínio de turma. Sempre foi assunto sensível em minha prática pedagógica, plenamente superado e atendido, mas pelo lado mais difícil e trabalhoso. Minha esposa aconselhava, você não pode tratar o aluno como seu igual, em mesmo nível, porque eles não têm essa maturidade ou essa visão. Esse foi meu erro inicial, na escola privada em Rocha Miranda, em 1989, e meu calvário, na tentativa de superação, na escola pública da estrada da Pedra de Guaratiba, em 1994, ainda no Rio.

       Para se resolver na escola municipal do bairro do Bosque, em Rio Branco, Acre, em 1995. Uma cena típica, que sintetiza o ensaio da prática que passaria a adotar, resultado da orientação dada por minha dileta esposa e personal trainer, aconteceu na primeira semana de aula, na primeira aula na 8a série, os top de linha, comigo usando o livro do Sargentim.

      Após as apresentações formais à turma, virei-me, tranquilamente, para a lousa, entretido a escrever o que seriam os rudimentos da primeira lição. Foi quando espoucou ao meu lado, um pouco acima do meu rosto, à direita, uma bola de papel que, logo depois, estatelou-se no chão. Incontinenti e já prontamente refeito, teatralizei olhando no chão a prova do crime e me virei agora, cinematograficamente, para a turma.

       Olhei-os por cima dos olhos de todos, ansiosos por minha reação, todos em suspense para testar a minha iniciativa. Típica situação do manual de "domínio de turma". Perguntei altaneiramente. "Quem foi?". Claro que demorou a resposta. Eu não me lembro que argumento utilizei, para que de imediato, então, na última fileira da sala, sentado na cadeira, mais com as costas, do que com a região glútea, um sujeito, com as pernas abertas num ângulo de 45°, dissesse, em tom irônico, meio sorriso e meia inclinação da cabeça para um dos lados: "Fui eu", respondeu, com braço erguido.

       Suspense em toda a turma. Olhos no ator, olhos no professor. Bastou. "Levanta, pega essa bola de papel, joga no lixo e fora de sala". Arregalou os olhos, tentando recompor uma reação. Mas o comando retornou, reforçado, sem titubear ou dar chance a outro raciocínio. Faz o que eu estou dizendo e não fala nada. O "poxa, professor, não precisava isso" acusou o golpe. Levantou-se, cumpriu o périplo, todos os olhos acompanharam, os meus permaneciam duros, como num saloon do wild old west, apanhou a bola, descartou- a no lixo e saiu de sala.

      Uma rápida preleção se seguiu, no sentido de que servisse de exemplo, retomei a lição no quadro, daí a pouco uma inspetora veio checar, "professor, esse menino o senhor colocou para fora de sala?", eu respondi sim, que explicaria depois. Fiz escola, literalmente, aprendi comigo mesmo e ensinei. O ensaio de superação do tal domínio de turma ganhava corpo. 

 




1. Contrato da Carteira de Trabalho. 
2. Autorização pela UERJ para lecionar. 
3. Apresentação à escola.
4. Livro do Sargentim adotado.






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