terça-feira, 19 de abril de 2016

Mal traçadas linhas 20

Ricos.

      Alguns homens da Bíblia foram ricos. Sem problemas. Não concordo que a riqueza e os ricos sejam estigmatizados. Aliás, qualquer estigmatização é viciosa.

     O problema  não é a riqueza, caso tenha, evidentemente, sido amealhada de maneira honesta. É raro, mas ocorre. Porém o problema sempre vai estar no vínculo com o caráter do rico em questão.

       Tiago, em sua carta, reclama da tendência humana a bajular o rico, seja ele quem for. Pelo nível social ascendente, fosse em qual época da história, costuma-se atribuir, em detrimento dos outros à volta, importância mais elevada a quem, naturalmente, destaca-se pelo volume dos bens que possui.

       Jesus, por exemplo, no contato com o jovem rico, estabeleceu um padrão de referência e abordagem desse assunto, colocando rico, riqueza e bajulação nos seus devidos lugares.

        Como todo, ou quase todo rico, aquele anônimo jovem - no sentido de não lhe conhecermos o nome, não em relação ao cartaz que já granjeara - achava que nada lhe faltava, que todas as portas se lhe abriam, provavelmente era esse um cacoete de sua condição econômica.

         Procurou Jesus, talvez leve incômodo por uma coisa que também o dinheiro não resolve, chamada morte, para perguntar sobre "vida eterna", evidentemente, no caso dele, prolongar o seu estilo de vida.

        Jesus pôs os pingos nos ii: (1) estilo de vida é desfazer-se de toda a riqueza e se tornar meu discípulo, blefou Jesus; (2) mais importante do que seus bens, é o lugar que você dá a Deus um sua vida, ensinou-lhe Jesus; (3) sua importância, Jesus tentava que compreendesse, não residia na quantidade dos bens que possuía.

         Ha ha ha... Digo que Jesus blefava, porque não estava literalmente interessado que o jovem abrisse mão dos bens em troca de uma possibilidade de fé - aliás, atualmente um monte de gente está enriquecendo vendendo ilusões como se fosse fé -, mas Jesus queria testar no jovem aquilo a que ele dava maior importâcia e, infelizmente, ficou claro que não era prioridade para ele seguir Jesus.

         Tiago, eu sua carta, bem define, em termos práticos,  aos irmãos da comunidade a quem dedicou sua epístola, os danos de se deixar conduzir pelo falso status que a riqueza proporciona. Ele antecipa em séculos uma equilibrada e lúcida crítica ao modelo capitalista, quando exercido de modo predador, se é que não seja essa, em essência, sua ênfase.

          Tiago aponta para a rapidez com que se opta pela aparência em troca do conteúdo, quando com extrema facilidade adulamos, carinhamos e agradamos ricos além da conta, desproporcionalmente, esperando algum troco. E relegamos ao desprezo quaisquer outros ao redor sem status ou pedigree.

          No caso da congregação à qual foi dirigida a epístola, eram dados aos ricos os melhores lugares, vício este milenar e frequentemente visto nos dias de hoje. Raras são as igrejas que, ao menos, dirigem-se ao estranho que lhes entra pelas portas com trato diferenciado e requintado, a não ser que sua (boa) aparência revele o status.

         Jesus, como sempre e incomodamente, segundo os critérios do verniz social, pôs tudo em seu devido lugar. Aquele jovem julgava ter ascendido ao que era melhor. Faltava-lhe, em sua opinião, o aval de Jesus. Contada nos três evangelhos, somente Marcos, que sempre denunciava os sentimentos de Jesus, assinalou a frustração do Mestre em, amando o jovem, não estar ao alcance dissuadi-lo em amar menos as riquezas para, literalmente, entrar nos eixos.

        Provavelmente, riqueza seja mesmo seguir Jesus. Um tipo não é incompatível com o outro, quer dizer, ricos também seguem Jesus, mas não é aconselhável inverter valor e considerar os bens fora de seu eixo. É bom conservá-los subordinados, relegados ao plano de seu interesse e não deslocados à posição de um altar de idolatria ou marca de diferenciação social.

        Como disse Paulo Apóstolo a Timóteo, amor ao dinheiro é raiz de todos os males: esta, sim, talvez, uma boa definição para capitalismo.










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