terça-feira, 7 de abril de 2015



      A respeito da morte de Deus.

            Falar sobre este assunto, para mim, constitui-se num escabroso atrevimento. Não sou filósofo, cientista e, terminantemente, nem teólogo me considero ser. Sim, teólogo, digo, escolado, sumamente acadêmico, desses, não me inscrevo entre os tais. Se quiserem dizer que sou, no sentido, vamos dizer, lato, extenso, sim, podem desse modo, considerar-me, pois falo, sim, sobre Deus. Ah, isso lá falo e, sai de baixo, tenho esse direito, mesmo porque creio em Sua existência e que fala conosco.

           Podem, então, classificar-me rasteiro, assim, e se quiserem juntar a esse epíteto, 'teólogo de oitiva' ou, se preferirem 'de orelhada', podem juntar a este epíteto o de semiblogueiro. Portanto, lendo, alhures (aprecio muito esta palavra) sobre a morte de Deus, para ser mais exato, na revista 'filosofia - ciência & vida' nº 103, o artigo "A morte de Deus e o filho do humano", foi que resolvi, mais uma vez, permitindo-me esta ampla liberdade blogueira, escrever.

          Em primeiro lugar, (1) parece que as pessoas que acreditam ou, querendo usar o verbo, creem em Deus, são as mais absolutamente idiotas possível. Sempre que lemos os argumentos dessa turma aí, deparamos isso, o que seja, que somente absolutamente idiotas creem em Deus. No artigo transparece que, segundo se avalia, a necessidade que os homens tinham na idade antiga e média da humanidade para crer em Deus é aquela que prevalece ainda hoje. E que, nem hoje e, mormente, naquela época, não havia vida inteligente que cresse, acreditasse e postulasse a existência de Deus.

          No texto do artigo, parte-se do axioma "Deus é uma criação humana e não o contrário como se costuma acreditar", para esclarecer que, frente a fenômenos inexplicáveis, não compreendidos pelo homem, fossem forças da natureza, como tempestades, trovões, raios, furacões, maremotos, terremotos, enfim, coisas grandes assim, o homem só as compreendia como fúria de deuses ou do Deus. Também, quanto a doenças, seriam resultado de maldições divinas, e, para explicar a maldade, identificada e incompreendida no homem, necessário se tornaria um antídoto ao máximo, que seria a suprema bondade, projetada numa personalidade divina compensatória.

         Enfim, diz o texto, "nos mais diversos pontos geográficos do planeta, e em particularmente todas as culturas e momentos históricos humanos pesquisados até então, a ampla mitificação e divinização sempre pode ser constatada, como formas úteis de conceber o inconcebível, de compreender o incompreensível e, de modo geral, para lidar com a perplexidade de estar vivo. E também, inevitavelmente, um dia ter que abrir mão dessa condição, ou seja, ter que morrer." Generalizante ao absurdo: será que não existia quem não tivesse medo da morte e, assim mesmo, ou, por isso mesmo, cresse em Deus?

        E quanto a explicar Deus, "nasce exatamente da impotência, da incompreensão, da perplexidade, da vulnerabilidade, da dor, do medo, da tragédia existencial, da inaptidão do ser humano para entender o todo, dos horrores brutais das lutas evolucionárias entre as espécies (!?) - o crivo é nosso -, das doenças, da velhice e, principalmente, diante da morte, essa alteridade máxima, primeva, fatal, à qual todo ser vivente, mais cedo ou mais tarde, tem que enfrentar e (a que) se submeter." Então, fora desses condicionantes, não é possível conceber Deus: sua personalidade e, como fica exposto, a 'finalidade' de Sua existência estão restritas somente a essas circunstâncias?

        Bem, este seria o modelo, ao inverso, de Deus, razões por que, elencadas, foi necessário que o homem primevo o inventasse, sendo que, quanto mais próxima de nossos dias chega a humanidade, mais próxima está da desmistificação, ou seja, da plena e total libertação do homem dessas amarras, desse Deus-band-aid-existencial, curada que já se avizinha toda a ferida da existência, todo o peso, perto e pleno que estamos da suprema compreensão de tudo. Ao ponto de nos recriarmos a nós mesmos, já libertos de toda essa carga ancestral da necessidade de um Deus ou deuses.

      E caminhamos, a passos acelerados, nos informa o artigo, para a programação de um novo homem, feita, evidentemente, pelo próprio homem, desta vez, perfeita, não com os equívocos dessa 'criação' que, por coincidência (ou ironia) vem sendo atribuída a um 'Deus'. Trata-se da ectogênese, "procedimento técnico (ainda em experimentação) por meio do qual a totalidade das etapas do desenvolvimento humano, desde a fecundação até o recém-nascido de termo, se realizaria em laboratório, sem recurso ao acolhimento num organismo materno." Ainda, citando Hans Jonas, "conjecturas hipotéticas, que pareciam impossíveis de realizar - como adiar indeterminadamente a morte humana, alterar nossa bagagem genética, clonar animais e pessoas, criar novas substâncias e seres transgênicos, por exemplo -, se tornarão cada vez mais factíveis e reais." Percebe-se que, (2) enquanto o homem não tem, ainda, a explicação total para a origem do Universo, vem aprendendo, direitinho, a receita que encontrou já ponta.

         O Deus que aqui morre é aquele que supõe-se projetado a partir das limitações humanas e somente existe como compensação para elas, enquanto que não se encontram remédios para saná-las mas, segundo se anuncia e supõe, a que logo, e já muito presto, chegamos, por meio da ciência, é tal fase em que o homem criará um novo homem, sem os defeitos de antes. Seria, mais ou menos, como descrevem, no artigo também citados, Axel Kahn e Dominique Lecourt, que, então, seria imposto um "invólucro corporal, a cor de seus olhos, a textura de seus cabelos, a forma de seu rosto, seu tamanho médio, a idade de início de sua calvície e de sua miopia, os detalhes desse corpo no qual será preciso viver dias e dias, alguns aspectos do hardware cerebral - e portanto certos traços de caráter - isso ele não poderá mudar. Ora, não se trata de suportar os resultados da sorte, da grande loteria da hereditariedade, mas as consequências da vontade de outrem." Este 'outrem' seria o Big Brother, personagem sugerido por George Orwell, em seu livro "1984"?
       
           Realmente o homem já supõe que obteve todas as respostas ou, se não as obteve, é questão de tempo obtê-las. Já possui a certeza, mesmo intuitivamente, daquilo que o autor da carta aos Hebreus chama de 'invisível', ou seja, a partir de partículas que se fundiram nas eras primordiais, foi-se formando o Universo, por si, aleatoriamente. Aliás, já se faz, experimentalmente, a colisão de partículas, no LHC - Large Hadron Collider, isto é, num Acelerador de Partículas, para tentar comprovar que o Universo surgiu, sim, a partir de uma colisão ou múltiplas colisões entre elas. Só fica faltando dizer como elas, as partículas, surgiram. E aqui chegamos à Bíblia, quando Deus disse 'Haja luz ou 'Haja fótons', e houve. Portanto, o Universo é uma composição, uma arquitetura de partículas-tijolinho, combinadas sob fusão, que deram origem a todas as reações químicas que tornaram possível toda essa complexidade que a ciência, apenas, ainda, em grande escala, supõe.

       Ufa, chegamos a Deus, finalmente. Aliás, desde o início. O terceiro argumento é que (3) a prima-dona do ateísmo, aquela que teria todas as respostas, a ciência, não tem, pelo menos, ainda, todas as respostas. Afigura-se brilhante em suas deduções, propaladas que são suas descobertas, aliás, ter ela todas as respostas, por que implicaria na dedução de que Deus não existe? Certa vez li num desses livrinhos de escola dominical que, caso encontremos, no meio da selva, restos de edificações de uma civilização perdida, se uma vez deduzirmos e reproduzirmos em laboratório os meios que foram utilizados para as construir, deduziremos que toda a estrutura surgiu, então, do nada, ou perseguiremos pistas para conhecer os arquitetos de todos os edifícios?

          Aplicando, uma vez que (e isso é função precípua dela) a ciência descobre, revela e descreve toda a complexidade da natureza, incluído o ser humano (e olha que complexidade!) e, sem bias (permitam-me copiar a definição, an inclination of temperament or outlook to present or hold a parcial perspective, often accompanied by a refusal to consider the possible merits or alternative points of view - tradução livre: inclinação de temperamento ou particular visão para apresentar ou sustentar uma perspectiva parcial, frequentemente acompanhada por uma recusa em considerar os possíveis méritos ou pontos de vista alternativos), enfim, caríssimos, questiono, (4) uma vez pesquisada, aprendida e reproduzida, em laboratório, a 'receita' do Criador em meio à complexidade da criação, por que deduzir, então, que ele não existe, uma vez posto fora dela?

        Sem todas as respostas, por exemplo, de onde vêm as partículas formadoras do Universo, denominadas, pelo autor anônimo de Hebreus, 'invisíveis'? Ele escreve: "o visível veio a existir das coisas que não aparecem" - e, muito interessante, a palavra 'visível', no grego, é fainomenon que, simplesmente, nos deu a palavra 'fenômeno', isso mesmo, esses fenômenos observados, reproduzidos e nomeados pela ciência são a partir do que não aparece. Disse Deus: Haja fótons. E houve fótons. Ou não? Bom, a origem deles e delas, das partículas em geral, a ciência ainda não sabe indicar ou responder. Até agora, sem pistas. Portanto, (5) longe da ciência ter todas as respostas. Está deveras cedo para tanta comemoração.

        Quanto a Deus somente existir como compensação para o drama humano, persiste até hoje a crença em sua existência e, pelo que consta, não há somente gente burra crendo em Deus. Acho até que, tirante a morte, essa sem conformidade ou conformação, até mesmo para tantos e quantos ateus, creio que contra e à chegada de quaisquer calamidades, caprichos da natureza, surpresas com o refinamento da maldade humana, doenças novas que surgem e as velhas, enfim, deixados de lados esses óbices, o comportamento estoico diante do sofrimento não seria motivo, nos dias de hoje, para que se buscasse num Deus ou em deuses reforço para que fosse nutrido. O homem não precisa de Deus para ser cínico.

           Por muito menos, aliás, costuma-se dizer que, até mesmo pela banalização, por meio da mídia,  o ser humano, a cada dia se torna, por causa da saturação, mais indiferente e vacinado para qualquer choque, seja com relação à violência ou a favor ou contra a quebra de paradigmas. O homem/mulher não mais necessita de socorro, no sentido de abrigar-se contra o que existe de ruim, a não ser que sinta medo de que o atinja, porque já se espalhou pelos quatro cantos da terra e bem perto está a maldade humana: sentindo medo ou não, vamos nos deparar com ela. Caso atinja os outros, somos indiferentes; caso nos atinja, estrilamos. Aliás, Jesus deve estar certo quado diz que ela está dentro de cada um(a). E o homem está absolutamente indiferente à sua própria maldade. Assim como caminha para a perda de todos os escrúpulos. E ainda trabalha contra as afinidades que poderia nutrir pelo seu semelhante.

           Só falta ao homem experimentar o amor. Esta é a falha primordial. O 'filho do ser humano', como termina o artigo mencionando, deverá ser melhor programado do que o filho de Deus, Adão (e Eva). Aliás, esse 'filho do homem' (favor e cautela em não confundir, aqui, com o Filho do homem, Jesus) esse 'humano-pós-humano', como diz o artigo, estará fora desses desenlaces primitivos, ou seja, não terá pai nem mãe, nem parentes e sua teia social será reprogramada, sempre a favor do que é superior e melhor do que o projeto original, que temos aí. Família e sociedade, enfim, relações, de modo geral, serão supérfluas, não, eliminadas, coisas do passado primitivo. E, certa e obviamente, toda uma reprogramação moral será, enfim, efetivada, extirpados todos os resquícios, vícios e opressões, resultado de séculos de validação da tradição judaico-cristã.

        Diz Habermas: "Até o momento, somente as pessoas nascidas, e não produzidas, encontram-se em interações sociais. No futuro biopolítico, prenunciado pelos eugenistas liberais, essa relação horizontal seria suplantada por um conjunto de ações e comunicações entre as gerações, que se instauraria verticalmente por meio da modificação intencional do genoma dos nacituros." Deus, portanto, "deixa de ser o responsável técnico pela criação da vida" e o ser humano "se metamorfoseia e se confunde com suas próprias tecnologias, recriando a natureza e da mesma forma os seus filhos, 'melhorando-os' e hibridando-os tecnologicamente", enfim, trazendo à luz uma 'fusão filogenético-tecnológica'. Enfim, a tão sonhada perfeição. Esse é o Deus. Não menos projetado, porém, plenamente exequível, o que não deixa de ser fé concreta, podemos assim dizer, no 'Deus' certo, desculpem a recaída, fé na Ciência ou, mais exatamente, fé no próprio homem.

         Enfim, chegamos ao final do texto, citando, ao inverso, lá do início, da chamada proto-história bíblica, o modo como cumpre-se, hoje, a 'Torre de Babel': o homem não chega aos céus, mas ocupa seu lugar, ou seja, deus de si mesmo. O homem se torna o criador, mal comparadamente falando, desculpem-nos, não queremos ofender o homem denominando-o Deus. João, o apóstolo, e acho que, se tinha alguém por perto, deve tê-lo repreendido, quis definir Deus como amor, escrevendo "Deus é amor". Por um ato de amor, criou, não somente o homem, como também todo o universo. Não sabemos se é fé ou amor o mais urgente. Embora o autor de Hebreus diga que, sem fé, é impossível agradar a Deus, João diz que Deus é amor. O Big Brother (atenção, o de George Orwell, 1984, ficção, não o daquela rede de TV) a programar o homem, certamente, vai corrigir a falha da incapacidade de amar. Até o momento, (6) religiosos ou ateus, a humanidade, com ou sem Deus,  não soube resolver o problema primitivo do respeito mútuo, mas pretende entregar essa solução ao Big Brother.

          O anônimo autor de Hebreus confirma que, aquele que se aproxima de Deus, creia que ele existe. Talvez (7) a maior agonia da ciência, aliás, dela não, dos cientistas, seja que não conseguem provar que Deus exista, mas também não conseguem provar que não existe. Aliás, injustiça, eles nem estão preocupados com isso. Aliás, de novo, quem e quantos esperam por essa geração de super-homens, capazes de recriar o homem, quando serão extintos todos os medos, incluído o medo da morte, assim como todos os sentimentos supérfluos, como o amor? A vida será bem melhor, nesse paraíso terrestre pré-programado. Trata-se, mesmo, de uma nova história da criação. Interessante a posição em que a si mesmo o homem se desenha estar. Algo de primitivo, a pretensão de chegar tão alto assim, ou extrema convicção, humildade e senso de pertinência? Mas, provavelmente, todos os problemas que nessa criação primeira ficaram pendentes, vão ser resolvidos, nesse novo projeto, do homem como top de linha da evolução.

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