terça-feira, 28 de abril de 2015


  Ponha-se no seu devido lugar.

            Se alguém já ouviu isso, fora uma piada ou brincadeira, ficou cismado, pelo menos. Essa expressão não costuma vir seguida (ou precedida) de luva de pelica. Costuma ser ofensiva, intimidante ou, pelo menos, uma trava para que quem ouve fique na sua, muito na sua e cesse todo litígio.

              Mas não. Essa expressão, longe de ser um recurso, eventualmente, muito utilizado, com o intuito de prender o outro na sua insignificância, postá-lo, digamos, no seu devido lugar, é genérica e assim deve ser compreendida. Ninguém pode prescindir ou presumir que não deve ser alvo dessa fala. Isso porque Jesus põe a cada um de nós no nosso devido lugar.

              Se alguém disse a você que um encontro com Jesus no meio do caminho será, sempre, suave e somente alvissareiro, enganou você. Isso porque, num primeiro momento, subitamente, o encontro com Jesus mata. Pelo menos, de novo, três figuras bíblicas que hora me ocorrem indicam que ninguém segue caminho com Jesus se não passar por morte, perda total ou cirurgia sem anestesia.

            Para ser radical, no contato com Jesus no meio da estrada da vida, para ser radical, aqui, no sentido de raiz, você morre. Literalmente. Não se trata de figura de linguagem. Isso aqui não é uma metáfora, lembra, da antiga 8ª série, agora 9º ano, quando aprendeu o que é metáfora? Não, não se trata de metáfora, aqui.

             Não estamos comparando com morte a profunda mudança, guinada, conversão na vida de quem bate de frente com Jesus, em todos os sentidos. É literal. Morre o eu. Viva, a pessoa se percebe, se vê morrendo, acordada, com todos os sentidos postos nessa transformação. Ou isso, ou tudo o que segue é falso. Ou morremos em Cristo, batizados nEle, para que Ele implante em nós uma nova vida, crie a partir do zero uma nova criatura, para que tudo se faça novo, ou será falso o que virá depois.

            Perda total. Um dos textos mais expressivos que definem conversão, na Bíblia, é aquele em que Paulo afirma que, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, por amor a ou pelo amor de Cristo, ele perdeu todas as coisas e as considera como refugo, para ganhar a Cristo, sendo nEle achado com a justiça que vem de Cristo e não outra qualquer, mesmo uma que proceda de texto legitimamente judicial ou jurídico.

            Cirurgia sem anestesia, sim, não é metáfora, mas é o que dói ser circuncidado pela mão de Deus. Paulo polemizava com os judeus que queriam forçar os novos crentes gentios, os não judeus, a submeter-se ao ritual judaico da circuncisão. O apóstolo disse que os novos e verdadeiramente convertidos já haviam sido circuncidados pela mão de Deus, textualmente, no despojamento do corpo da carne, escreve Paulo, que é a circuncisão de Cristo. Sem anestesia. Cirurgia de olhos abertos, sentidos nos nervos e lucidez total, para a troca do homem, o eu que se corrompe continuamente, sem freio e remédio, amputado, em Cristo, como despojo, substituído pelo novo eu, que se refaz à imagem e semelhança de Jesus Cristo, como a Bíblia ensina.

              Enganaram você quando disseram que, do encontro com Cristo, a gente sai alvissareiro. Num primeiro momento, não. O exemplo bíblico é o daquele jovem, sobre quem os três evangelhos narram sua aproximação de Jesus. Este remeteu o jovem a um confronto consigo mesmo e com a verdade, ela mesma, aquela do texto jurídico, que o jovem afirmou conhecê-la toda e praticar. Jesus propôs a perda total, simulando que ele devesse dar toda a sua riqueza a outrem.

              E o texto, típico em Marcos, enquadra, mais uma vez, um sentimento de Jesus, textualmente: "E Jesus, olhando para ele, o amou e lhe disse: Falta-te uma coisa: vai, vende tudo o quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz, e segue-me."

                   Jesus simulou,  sem internet, perda total para o jovem. Na verdade, queria somente medir a reação dele. Foi um teste de prejuízo pecuniário total. Uma troca, inversa, de perder tudo aqui e ganhar tudo lá, troca do objetivo e concreto pelo subjetivo e suposto. Ainda Jesus acrescentou o que deveria soar como um modelo de calamidade no estilo de vida da época, que seria viver tomando sua própria cruz pessoal. E o resultado foi, textualmente, que o jovem "pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades." Não escolheu perda total. Perdeu Jesus. Ponha-se no seu devido lugar.

                 Foi demais para o jovem. Mas Jesus não poderia oferecer outra opção. Se o fizesse, não seria Jesus. Por isso está escrito que essa oferta foi feita por amor. Morte, perda total, cirurgia sem anestesia. Tome essa cruz. Ponha-se no seu devido lugar. Antes de encontrar Jesus pelo meio da estrada, estamos na condição de caminhar, pela estrada da vida, sem Cristo. Uma vez que o encontramos, se assumirmos o trauma, vamos passar à condição de caminhar pela estrada da vida com Jesus, até a (nossa) morte. Mas, pensem, se Jesus morreu essa mesma morte e ressuscitou, em Cristo, aguardamos também ressurreição. Estaremos batizados em Cristo, caso assumamos o trauma.

                De um jeito ou de outro, ponha-se no seu devido lugar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário