Cemitério Assistens
Norrebro, Copenhague, Dinamarca
A não ser que você seja fã do turismo obscuro, cemitérios só entram em listas de lugares para visitar quando eles ganham fama internacional, seja pelas pessoas célebres enterradas ali e/ou pela beleza. Acontece em Buenos Aires, Paris, Praga, Zagreb e algumas outras cidades.
Copenhague talvez esteja na prateleira logo abaixo. Seu principal cemitério, o Assistens, pode não ser uma das atrações mais óbvias da capital dinamarquesa, mas ele entrega o pacote que se espera de um lugar do tipo para o visitante: uma área verde de respeito, uma história local importante, túmulos de personalidades e causos curiosos.
Em 2014, ele ganhou mais uma dessas lendas, digna da série "Dark", produzida na vizinha Alemanha. Da noite para o dia, surgiu uma lápide que dizia apenas o seguinte:
Andreas Morgenrodt
Tidsrejsende
1996 - 2064
Não bastava a data de óbito anacronicamente lapidar, o único termo usado para descrever quem foi ou é ou será o tal Andreas é "tidsrejsende", que em dinamarquês significa "viajante do tempo". Isso num túmulo velho e gasto, que poderia estar ali havia décadas.
Durante dois anos, o mistério se manteve, instigando frequentadores do cemitério e jornalistas. Quem havia instalado aquela lápide? Por quê?
Seria uma ação de marketing metida a engraçadinha (além de ilegal)? Alguma intervenção urbana à la Banksy?
Até que, em 2016, a verdade veio à tona. O homem da lápide era o poeta Morten Sondergaard, que estava (e ainda está) vivo, embora as estatísticas apontem que dificilmente ele viva até 2064, quando completará 100 anos.
Sondergaard reconheceu que ele tinha instalado a pedra, e que Andreas Morgenrodt é apenas um anagrama de seu próprio nome — que serviu de inspiração. "Morten" é um nome comum na Dinamarca, mas sua origem é latina: deriva de Martinus, uma referência ao deus romano da guerra, Marte.
Só que o poeta vive na Itália desde 1998. Em italiano (e nas outras línguas latinas), seu nome traz uma nítida associação não ao deus da guerra, mas à morte.
Que artista é esse?
Sondergaard é conhecido na Dinamarca por ser um poeta que trabalha muito além do papel. Sua obra, de acordo com os críticos, é uma poesia que almeja capturar o mundo - ou seja, não é à toa que esta coluna, dedicada a história e viagem, e não a literatura, esteja falando hoje de um poeta.
Com prêmios nacionais e internacionais, ele já foi traduzido para sete idiomas. Estreou em 1992, com "Sahara i mine haender" ("Saara em minhas mãos").
Desde então, Sondergaard exportou seus poemas para outras superfícies, como muros. Talvez a obra mais interessante seja uma farmácia cujas gôndolas ofereciam, em vez de medicamentos, verbos, substantivos e advérbios.
O poeta colaborou com músicos para a produção de um CD e com uma produtora de videogames para o desenvolvimento de um jogo. A lápide, portanto, foi mais uma dessas experimentações transmídia de Sondergaard.
"Quando soube da estripulia, a administração do cemitério deixou passar. Apesar de lápides falsas serem proibidas, ela achou que aquela não fazia mal a ninguém, e ainda renderia mais um ponto de destaque em uma necrópole que já tem alguns deles."
Que lugar é esse?

Inaugurado em 1760 para desafogar os cemitérios abarrotados dentro das muralhas da cidade, o Assistens servia à população pobre de Copenhague. Mas a situação mudou no século 19, durante a chamada era dourada dinamarquesa.
Grandes nomes da cultura do país passaram a ser enterrados lá. Isso deixou o cemitério na moda entre a elite.
O filósofo Soren Kierkegaard (pioneiro do existencialismo), o artista plástico Christopher Eckersberg (tido como o pai da pintura dinamarquesa), o escritor Hans Christian Andersen (um dos mais famosos autores de contos infantis da história) e o físico Niels Bohr (um dos maiores cientistas do século 20) foram sepultados no Assistens.
Nomes mais recentes incluem o popular escritor Dan Turèll (que terá uma série de livros adaptada para o streaming em 2026) e a rapper Natasja (conhecida pelo hit "Calabria", onipresente nas pistas de dança dos anos 2000).
No início do século 19, com a popularização, o cemitério virou ponto de encontro de vivos. Não de esquisitões e protogóticos que gostam desse tipo de ambiente, mas do cidadão de bem, pagador de impostos, pai e mãe de família, cioso de seus deveres.
As pessoas faziam aprazíveis piqueniques no Assistens, de um jeito talvez semelhante às tradicionais comemorações de Páscoa na Geórgia (assunto que eu já trouxe aqui no Terra à Vista). O poeta sueco Karl August Nicander observou o fenômeno, em 1827. Suas palavras deixam claro por que o cemitério atraía as pessoas:
Mas, em um exemplo clássico de "se tem placa, tem história", a administração acabou proibindo alegria em excesso. O consumo de bebidas e comida, música e qualquer comportamento festivo acabaram vetados no cemitério.
Hoje, ele ainda é um destino popular em Copenhague. Visitas guiadas contam histórias como a do Gravplads for Gadens Fòlk ("cemitério das pessoas em situação de rua"), uma área destinada aos menos favorecidos, e de Regine Olsen, amor de juventude e musa de Soren Kierkegaard. Ela foi enterrada ao lado do marido, mas não muito longe de seu pretendente juvenil.
Além de Regine Olsen, Kierkegaard tem a companhia de seu vizinho viajante do tempo, Morgenrodt. A lápide instalada pelo poeta, em certo sentido, é uma reação à obra do filósofo, que falava do combate ao medo da morte e da distinção entre tempo e eternidade.
Mas isso é assunto para 2064.


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