sábado, 1 de março de 2025

Escolhas

 Igreja é escolha de Deus. Não poderia, jamais, ser nossa, seja para nela entrar, seja para, uma vez dentro, outros convidar.

  Somos pleno preconceito. Nossas escolhas estão, definitivamente, comprometidas por essa razão. Deus vive, por assim dizer, de consertar nossas escolhas.

   Bem, vamos melhorar a redação: Deus vive de orientar nossas escolhas, sim, e aprimorar o que escolhemos atrás, quando nem saberíamos, ao certo, no que ia dar.

  Eunice, minha avó materna, chamou sua filha Dorcas, minha mãe, para dizer que desmanchasse o namoro com Cid, seminarista batista, que um dia seria pastor, porque sabia que ela, jamais, abandonaria, como muitos, a lide congregacional.

  A filha argumentou com o, na época, namorado, os dois contemporizaram e fizeram a tal união ecumênica: ela, congregacional, jamais trocou-se pela outra denominação, e ele foi pastor batista solitário por toda a vida.

   Já em 1972, eu com 15 anos, assisti aos lances de suspenses matrimoniais entre Heraldo e Lourdes, ele, para mim, um estranho, ela, para mim, com Gilca, Miriam e Jair, filha do Presbítero Jeconias, nosso líder de adolescentes.

  Era a Congregacional de Cascadura, datando de 1953, grupo dissidente do Encantado, que passou por Madureira, como Congregação da Fluminense, e se fixou em Cascadura, João Romeiro 212, em 1961.

   Lá cheguei em 1966. E em 1972, o viúvo Heraldo Rolim Benevides implodiu a muralha de impedimentos, paquerou, termo da época, d. Lourdes, enfrentaram juntos toda a dureza, como diz the american people, it was tough, man, mas se casaram.

  Conheci, nessa época, os três filhos que Heraldo trazia de seu primeiro casamento. O mais velho, Carlos Tadeu, mais próximo de minha idade, com ele até discutíamos altos papos doutrinários, numa época em que estava em voga o que chamavam avivamento.

  O do meio, Paulo José, se tornou diácono, um dia, e um promotor de eventos na igreja, desde cantatas a peças de teatro, todas de cunho evagelístico, que envolviam jovens e adolescentes, uma tônica no período em que fui pastor, 1983-1994.

   A caçula, comigo até hoje, já 32 anos de casados, conheci nesse tempo, ela com 5 e eu com 15 anos, quando o futuro, para nós, mal se esboçava. A questão das escolhas, como eu havia dito: as que Deus faz e como nos ensina a fazer.

   Cid e Dorcas, Heraldo e Lourdes com traços semelhantes de vida, dois funcionários públicos casados com duas professoras, ambas imperiosas no trato com seus respectivas maridos, guardadas (e mantidas) as devidas proporções.

   Eu, supertímido, no trato com as meninas, somente fui mesmo namorar aos 19 anos, e esse ano era 1976. E como o contexto era mesmo esse, levei a primeira namorada a Cascadura, era óbvio.

    E quem, pergunto, mas quem, em primeiríssima mão, vem ao meu encontro, ora, quanta ironia (do destino), pelo corredor entre bancos já dentro da antiga igrejinha de infância? Sim, elas mesmas, as duas, Lourdes, 41, com Regina, 9, para conhecer a namorada de Cid Mauro.

   Devidamente apresentadas, sorrisos sociais de praxe, eis que Lourdes, bem típico dela, encerra a fala com uma tirada estupenda: "Bem está, parabéns pelo namoro, mas quem vai casar com Cid Mauro é minha filha", completou, apontando para baixo.

   Regina fechou o sorriso, escondeu-se vexada por detrás da mãe, a namorada sorriu amarelo, descrente, tinha a minha idade e jamais uma menina de 9 anos lhe representaria algum risco. Riscos, havia, mas eram outros...

   Eu dei um piparote no ombro da menina, de cabelo curtinho, cortado rente e colado à cabecinha, e recomendei que não se aborrecesse, porque era brincadeira de mãe. Ela deu o sorriso que ainda conserva com ela e a vida seguiu.

   Escolhas. Quem escolhe para ser igreja é Deus. Como já disse, igreja é algo que nos é dado. Mas a escolha é divina. Porque jamais escolheríamos pelos critérios que Deus escolhe.

  E nem escolheríamos as pessoas que Deus escolhe. Para nós, seria expurgo de uns, em detrimento de predileção tendenciosa de outros. Definitivamente, essa escolha não é nossa. Mas Deus escolhe e coisas, no contexto dessa escolha, acontecem.

   Cid escolheu Dorcas, Heraldo escolheu Lourdes, Cid Mauro escolheu Regina. Combinaram entre si e se casaram. Já até se disse que foi jogo de cartas marcadas. Bem, 1954, 1972 e 1993, nessa ordem, contextos de escolhas, cultura e casamentos diversos.

  Mas quem e quanto mais envolveu Deus na coisa, maior colheita de benefícios obteve. Em 2025, exatamente hoje, faz 100 anos que Heraldo nasceu. Quase comemoramos seus 90 anos em 2014. Mas os de Lourdes nós aguardamos comemorar neste ano.

  Dorcas, se estivesse entre nós, completaria 95 e Cid, se fosse um campeão de anos, emplacaria 107. Eu, Deus permitindo, chego aos 68 e Regina, minha garota, bem, jogos matemáticos, é melhor deduzirem do que eu me expor.

   Escolhas. Regência de Deus sobre nossas vidas. Casamentos. Lutas viscerais, internas e externas, conflitos poucos ou muitos, intensos, mais e menos. Tempo decorrido. Muitas histórias vividas e outras a contar e ainda a viver.

   Vale lembrar. Vale ser grato. Vale crer. Vale descansar vida, tempo e escolhas nas mãos de Deus.



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