quinta-feira, 25 de março de 2021

Três aspetos da diversidade

 PROBLEMATIZAÇÃO


    A diversidade religiosa, em si, apresenta características que lhe são marcantes. A primeira delas é a necessidade permanente de se reinventar. Isso porque sua proposta, de aproximação e convivência respeitosa entre religiões, constantemente é questionada pelo risco e medo representados por uma equivocada compreensão de seus postulados.

     Portanto, a todo momento seus parâmetros precisam ser lembrados e a prática deles acompanhada de perto, de modo crítico e avaliativo, para que, no contexto de sua abrangência, perdas e erros sejam verificados, o que, certamente, promove afastamento e de novo o recomeço dos medos e das estranhezas.

      A segunda característica é a necessidade de que a concepção e prática dessa diversidade seja conjunta. De nada adiantará um "cânone" ou uma "dogmática" da diversidade religiosa, muitas vezes imposta por teóricos, sem o cuidado de que se reconheça plural em sua concepção e aplicação.

     O perigo de grandes religiões que, por sua antiguidade e quantidade de adeptos reúnem, unilateralmente, iniciativas e discursos de convívio plural reside na tentativa inconsciente ou, até mesmo, deliberada de definir diversidade a partir de sua visão supostamente abrangente.

    Essa prática assemelha-se a proselitismo doutrinal, quando ocorre, inclusive, a tentativa de enxergar a diversidade religiosa a partir dos valores de uma só religião. Por exemplo, o modelo de diversidade que Jesus respresenta para um cristão, ou o modo como é definido diverso e plural, não terá o mesmo efeito para um muçulmano, a não ser que ela procure em Maomé esses mesmos valores.

      O conceito do esvaziamento de Deus para assumir, no Filho, sua condição plenamente humana, para quem é cristão, ajuda na compreensão da necessidade do mesmo esvaziamento, de religião para religião, sem que esses dados de supremacia, sejam por que razões forem, postos em evidência, tornando o suposto diálogo uma imposição de pontos de vista, do "maior" para o "menor".

      Um terceiro aspecto associado à prática da diversidade religiosa é que ela, uma vez bem equacionada e vivenciada, contribuiu como modelo de prática social aplicada a outros segmentos da sociedade. O Brasil é um país classista. Há profundos veios abertos de preconceito e discriminação em meio à sociedade. O classismo religioso é apenas um deles.

     Num Estado que, nominal, jurídica e teoricamente se propaga laico, despudorada e cinicamente religiões de massa procuram espaço político, numa relação promíscua com o Estado, e ocorre mesmo disputa entre grupos religiosos por esse espaço conquistado ou a conquistar.

    O exercício franco, aberto e verdadeiro da diversidade religiosa jamais poderá prescindir da rejeição ao classismo religioso. Não pode haver "religião de elite" ou uma profunda brecha que separe liderança religiosa dos segmentos mais carentes da sociedade. Já a teologia da libertação contribuiu para que a ênfase ao pobre, em todos os sentidos, fosse priorizada.

     O exercício da diversidade religiosa, em seu modelo isento de distorções, contribui para que, primeiro no contexto das religiões, não haja o abismo que o próprio Jesus, em seus dias, denunciou entre os "religiosos" fariseus, em vício constante de proximidade com o poder político da época, colocados num abismo e numa posição de superioridade em relação à classe a que eles mesmo, pejorativamente, declaravam "pecadores".

     A eliminação desse abismo deverá ocorrer no contexto dos esforços das religiões, para que haja eco e modelo para fora do contexto religioso, de modo a positivamente contagiar os demais segmentos da sociedade. Sem esquecer que, nesses segmentos e nesses outros contextos estão o público-alvo da diversidade religiosa.

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