quinta-feira, 18 de dezembro de 2014


Sobre cores, raças e religiões.

             Multicor. O Universo é multicor. Cores e tons para as quais o homem nem mesmo consegue, para todas, dar nomes. Tonalidades variadíssimas, levando em conta não somente a natureza vista, estudada e conhecida, em parte, no Planeta, em toda a sua pujança, mas também o cosmos, por meio das mirabolantes imagens trazidas pelos telescópios em órbita ou em viagens interestelares, visto que a visão de suas lentes é límpida, por situar-se fora da atmosfera terrestre.

             As cores das  frutas, eu me lembro, perto dos 15 ou 16 anos quando, por brincadeira, falei que minha mãe me tinha traído por não me ter falado sobre o jambo. Ele mesmo, apelidado aqui no norte como 'maçã da Amazônia', por sua cor rubra, tons de púrpura, por isso mesmo, de odor e forma suculentos. Você não imagina ou jamais terá visto quando suas flores, perto da época de brotarem os frutos, caem, cobrindo o chão perto de suas árvores de um tapete arroxeado, numa tonalidade impossível de descrever ou nomear. 

              Quando pela primeira vez soube que jambo existia, foi lá na zona rural do Rio de Janeiro, que ainda existe, castigada, embora pelas agressões de praxe, mas resistindo heroicamente. Vi uma criança saboreando um seu fruto e perguntei à minha mãe do que se tratava. A resposta óbvia dela me surpreendeu: "Ué, não sabe? É um jambo!" Por isso me senti traído, porque nunca a ouvira mencionar que existia. Surpreendido, é claro que tudo não passou de brincadeira, mas foi lá, talvez em 1972-1973, que eu soube que jambo existia. Foi num sítio, do Ari Flores, olhem bem quanta ironia.

              Hoje, aqui onde resido, estou cercado de pés de jambeiro, um deles, majestoso, em minha casa. Tons de púrpura arroxeados, inomináveis, indescritíveis, doces ao olhar, a suculenta 'maçã da Amazônia', com uma poupa esbranquiçada e macia, azedinho-doce ao paladar. Ah, sim, as frutas! Todas elas, cada qual com sua cor, seu gosto e seu charme. E as flores, que as anunciam? Em minha santa ignorância, garoto mais urbano do que rural, não havia, ainda, dado com a cor e forma da flor de maracujá. Há poucos dias soube, pela TV, como é primordial que haja abelhas onde existirem parreiras do maracujá. Porque elas espalham o pólen que, de outra maneira, terá de ser espalhado num toque de três dedos friccionando-se os pistilos da flor, para que haja fecundação.

                Imagine flor a flor, isso fazendo o lavrador, deixem que as abelhas o façam mas, atenção, elas (também) estão em extinção. Cores, raças e religiões. Por brigas de raça também extinguem-se, entre si, os homens. Aliás, os homens muito entendem sobre extinguir. O Criador lhes transmitiu o dom da vida, gerar outras vidas, abençoou-os, dizendo multiplicai-vos, enchei a terra, sujeitai-a, nela habitai, espalhem-se em sua superfície, ocupem o solo com inteligência, não se acumulem em cidades insanas, não desmatem, não derrubem a mata, não poluam os rios, enfim. Mas o homem entende mais de extinguir do que de multiplicar. Daí as brigas entre raças, pretexto para as guerras. Da infeliz natureza humana são as guerras, bastando, para que ocorram, pretextos injustificáveis.

                Colored. Assim foram designados os negros nos Estados Unidos. Nos filmes, nos ônibus, nos bebedouros e banheiros, assim escrito, em vias da propaganda e facilidade da divulgação dessas imagens pela TV, invenção deles, na divulgação internacional do racismo. Alemanha nazista. Não, não se perde num passado longínquo, como se fosse pré-história, tempos imemoriais não assinalados, por isso, quem sabe, homens ignominiáveis, violentos ao extremo, pré-históricos, portanto. Não, estamos no século XX e não há, ainda, 100 anos que nos separam desse extremo racismo, sem causa, a pretexto, estrelas de Davi amarelas identificando judeus, presas em ombreiras, presas decorativamente como broches, ao peito, prenunciando o massacre.

                 E o ódio de séculos encubado há a quase 500 anos que gerou a guerra dos Bálcãs, nos anos 90? Genocídio nos Bálcãs. Genocídios na África. Triste humanidade. Cega para si própria. Cores, raças e religiões. Voltemos às flores, voltemos às folhas. Aqui em casa plantamos uma mangueira, nem sei se foi espontâneo, mas durou sua vida mais de 10 anos. Deliciamo-nos com seus frutos, acompanhávamos a renovação de suas folhas, estação a estação e, muitas vezes, fotografei suas flores. Flores de mangueira, como flores de goiabeira, tínhamos três delas, são despretensiosas. Não devem ser, entre as flores, nem medalha de bronze. Somente são flores. Fotografei-as, mania esquisita essa minha.

                As folhas, creio que, na minha ignorância, nunca nossa mangueira produziu duas folhas exatamente iguais. Identificávamos como folhas de uma mangueira, mas nunca achamos duas exatamente iguais. Deus fez as folhas, mesmo na mesma planta, diferentes entre si. Deus não fez céu verde, verde é a clorofila. Céus e mares têm cor parecida, embora haja mares com tons de verde, agora, na verdade, multiplicam-se os tons de cinza, porque o homem está extinguindo, também, os mares e oceanos. Não são cores iguais, em sua variedade são lindas e harmônicas, cada qual no seu lugar, num espetáculo grandioso de belo. Cores diferentes, raças diferentes em sua cor, cultura e língua, religiões diferentes. A variedade provém de Deus. Falando sobre religião.

                Assunto delicado esse. Mesmo porque, falando disso, mexe-se com o que há de mais sensível nas pessoas. Fanatismos à parte, religião é algo do maior e máximo respeito. Cada qual e cada uma deve ser respeitada na mesma e igual proporção. Mas há certos princípios, penso eu, que se colocam acima de qualquer uma delas, aos quais todas elas devem estar subordinadas. Vamos enumerar alguns que, no meu exercício de convivência mais próxima com a minha e aventuras de tentativa de compreensão de outras, vão me ajudando a compreender todo esse contexto.

                   Primeiro, religião, por mais antiga, que vão lá milênios, ou repleta de adeptos, sim, porque, desfeita é pura bobagem, há quem julgue que quantidade, nesses casos é qualidade, independentemente da quantidade de adeptos, mesmo essas devem respeitar o seguinte: religião nunca será mais importante do que seu ou cada um dos adeptos dela. Você (e eu também), somos mais importantes do que nossa religião. A religião nos presta um serviço, pronto e ponto final, se bom ou ruim, vá lá que se saiba, por isso nós e não ela somos mais importantes. É só lembrar a lição que Jesus deu às autoridades religiosas de seu tempo, quando quiseram impor aos discípulos a guarda do sábado: o sábado foi instituído para eles e não eles para o sábado.

                       Em segundo, e decorrente da anterior, nenhuma religião pode advogar fazer o mal a quem quer que seja. Se qualquer delas joga uns contra outros, erro histórico e recorrente de tantas e quantas guerras contraditoriamente religiosas, prega, previne, prescreve o mal contra outrem, essa ou tal religião não merece esse título, não merece nenhum respeito da parte de ninguém, não merece que lhe defendam e, cuidado, seus adeptos são uma ameaça, não merecendo confiança, apenas o respeito digno do qual qualquer ser humano é portador, mas previna-se contra esses.

                        E em terceiro lugar, creio que também relacionado ao anterior, há valores que estão acima de todas e quaisquer religiões, mais uma vez aos quais todas elas devem estar subordinadas, logo, depreende-se que não são, propriamente, as religiões, aquelas detentoras de toda a verdade (até mesmo sobre Deus) ou tiranicamente possuidoras da 'última palavra', ao contrário, mesmo para o adepto, em particular, encare com reservas e relativize as doutrinas de sua religião, pois há valores e ideias acima de tudo e quanto elas abrigam como suas 'verdades'.

                          Creio que se assim se pensasse a respeito delas, haveria a total relativização de todas e muito dos conflitos entre adeptos de tantas e quantas seriam evitados. A pessoa em si, o respeito à pessoa e a certeza de que existem valores acima dos postulados delas são características e dados que se situam acima delas, ainda que sejam, pretensamente, portadoras e, pretensiosamente, detentoras do caminho para o 'além', guardiães de cânones doutrinários e revelações escriturísticas ou que apregoem contato com Deus. Ainda assim, previnam-se. Vale uma postura crítica e o crivo para saber se, elas sim, respeitam esses cânones extra preceituários. Cores, raças e religiões. Variedade múltipla. Valor igual. Aventura. Pura aventura.

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