Pensando sobre a existência de Deus ou mais propriamente se o que escreveram na Bíblia merece crédito. O fato é que o Deus que ali vem expresso tomou algumas atitudes bem interessantes e próximas e perto do homem que o Livro diz ter Ele criado.
A primeira delas, é que é dito que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Ora, em outros trechos do Livro, está escrito que o rosto de Deus ninguém jamais viu. Logo, imagem e semelhança não significa imagem fisionômica.
Mas o que vai mesmo se especular aqui não é o tipo de imagem e semelhança a que o texto se refere, senão que é mencionado que o modelo que Deus escolheu com parecença ou matriz para forjar o ser humano foi Ele mesmo.
Lá adiante, nas páginas do mesmo Livro, vai se dizer que Deus se fez homem. Na linguagem do Evangelista João, que se atreveu a voar assim tão alto, ele diz que o Verbo se fez carne e habitou, tabernaculou, diz uma versão antiga da Bíblia, entre nós. Deus quis morar em tendas, acampado improvisadamente, desde uma manjedoura, entre nós.
Depois de identificar a expressão Verbo, logos, no grego, com o próprio Deus, João diz que esse Deus se fez carne. Está aí de novo a busca, por Deus, de uma identidade ou identificação humana, pelo que a Bíblia descreve.
Se cairmos na cilada de que o Deus da Bíblia é uma invenção humana, resultado de esmerada ginástica literária, nau em que muitos autores embarcaram, a ponto de formarem o mosaico que é o texto bíblico, então somente teremos que elogiar essa turma, pela projeção de raciocínio que faz ao longo do Livro, desenhando esse arco, que começa lá no inatingível céu onde habita o Criador para, posteriormente, fazê-lo chegar ao mundo que criou, tornando-se homem, desta feita à imagem e semelhança da Sua própria criatura.
Não deixa de ser uma história muito interessante, mesmo que inventada, traços de genialidade. Então Deus, que foi-é-sempre-será, e nunca deixará de ser, criou o homem. Então o homem resolveu deixar de ser, mesmo porque, caso essa criatura quisesse, essa poderia ser uma opção dela.
Uma vez o homem deixando de ser, Deus veio em socorro dele, Ele mesmo fez-se homem, à imagem e semelhança de Si mesmo, e, como homem, nunca deixou de ser ou de sê-lo. Deus poderia tudo ou até qualquer coisa admitir, mas jamais que o homem decidisse deixar de ser.
Uma vez assim decidido, haveria divórcio inconciliável entre Deus e sua criatura. Para isso e por isso Deus veio depressa, hurry, hurry, ao encontro do homem, a fim de convencê-lo de que, agora deixando de ser, pudesse recuperar sua existência original, homem, sim, feito livre, porém com identidade à imagem e semelhança de Deus.
Mas o homem decidiu que desejava decidir até mesmo se queria ser a imagem e semelhança de Deus e, caso não quisesse, não seria, ou seja, não voltaria a ser, escolheria morrer. E a morte do homem não foi imediata, mas foi paulatina, um morrer progressivo, sintomático, verificável, que transparecia, patente e latente, ao longo de sua existência.
E mataram o Homem que Deus decidiu ser. O que significa dizer que o homem radicalizou sua escolha, definitivamente, com esse gesto, decidiu não ser, ele mesmo, além de, implicitamente, decidir não ser à imagem e semelhança de Deus, decidiu matar Deus. Isso mesmo, Deus está morto. Acho que pensou, definitivamente, acabar com essa pretensão de Deus, qual seja, de ser e ainda querer que o homem, definitivamente, também fosse. Liberdade. O homem chamou isso de liberdade.
O homem quis a liberdade até para não ser à imagem e semelhança de Deus. Para não ter Deus colado no seu pé. Para o homem, ser à imagem e semelhança de Deus constituiu-se numa prisão da qual quis ser liberto. Deus escolheu a Si para ser modelo para o homem e, adiante, Deus escolheu o homem para ser modelo para Si. Mas o homem, definitivamente, escolheu não querer para si Deus como modelo.
Deus não se conformou com essa escolha, evidentemente, por isso escolheu Ele mesmo ser homem e, desse modo, ficou instaurada profunda divisão, cisão, rachadura mesmo no seio da humanidade, entre os homens que desejam ter de volta a condição original, ver em si mesmos imagem e semelhança com o Altíssimo, e aqueles que, absolutamente, não desejam isso.
Seguirão divorciados de Deus, por não se submeterem a Ele, ao Seu modelo. Afinal, se Deus abrisse mão dessa exigência, que parece, para uns, tão singela, mas, para outros, tão mesquinha, qual seja, de querer ter para Si o homem à sua imagem e semelhança, Ele mesmo deixaria de ser Deus, tal e qual seja o comprometimento dEle com a criatura de Seu amor, que somos nós, os homens (e as mulheres, é claro, falamos aqui de humanidade).
Uma vez escolhendo ser, de novo, imagem e semelhança de Deus, soavam estranhas uma série de coisas que, anteriormente, antes do homem decidir deixar de ser, eram naturais no modo humano de ser. Então, pareceram exigências descabidas de Deus, normas absurdas ou mesmo que roubavam a liberdade de ser do homem. Foi mesmo necessária toda uma reeducação, para a qual muitos, ainda, no meio do caminho, resolviam abandonar a empreitada.
Empenho de Deus. Quis e fez homem e e mulher à sua imagem e semelhança. Quando se tornou necessário, porque homem e mulher se perderam, no meio do caminho, Ele, então, se fez homem. E a maior prova de que o homem (e as mulheres também) desejaram mais não mais ser do que desejar ser, foi que assassinaram o Homem que Deus se fez.
Mas, inesperadamente, esse Homem ressuscitou, porque Jesus, o nome dele, nunca quis deixar de ser e nem deixar de ser à imagem e semelhança de seu Pai. Uma vez ele mesmo disse, que um filho nada faz de si mesmo, senão somente aquilo que vê o Pai fazer. E ele imitou, em tudo, o Pai. Só morrem os que desejaram deixar de ser e mostram isso, de uma vez só, com sua escolha e com as demais escolhas da vida.
Na verdade, esses se tornam prisioneiros de suas escolhas. Liberdade é não ser prisioneiro das escolhas que se faz. Mas houve quem chorou quando viu Cristo morto. Porque julgaram ser o fim de tudo. Mas Jesus não poderia ficar morto, assassinado pelos que não queriam mais ser. Então Deus o trouxe, de novo, à existência, e nisso não houve trapaça, porque o que prende à morte é o não ser, é a opção por não ser à imagem e semelhança de Deus, e isso Jesus nunca deixou de ser.
A partir de então, todos os que choram, arrependidos, sinceramente desejando ser e chorando porque reconhecem que haviam optado deixar de ser, Deus decide que serão refeitos, criados em Cristo Jesus, de novo, restaurados à sua imagem e semelhança. Esses deixam Deus operar em sua vontade e suas escolhas passam a ser segundo o modelo de Deus. E não mais se sentem prisioneiros de suas escolhas. E quem não é prisioneiro de suas escolhas, é livre.
Cid Mauro Araujo de Oliveira.