sexta-feira, 23 de julho de 2021

Necrópole - XI

      Como num daqueles dias. Cismou, então foi ao cemitério. Cansou de refletir sobre as razões que o moviam à necrópole. Talvez mesmo porque nada de razão houvesse.

    No mesmo ponto. Na mesma campa. Não era a de seu pai. Bem sabia onde ela ficava. Fora lá várias vezes. Mas não era bem lá que preferia estar. Conferia, vez ou outra limpava ao redor, mas sempre retornava para o ponto habitual.

    Sempre no mesmo horário. A mesma posição do sol. A mesma brisa. Poucas tumbas atrás dele ficava a plataforma que já mencionamos, do alto da qual, naquela quina de muro, avistava um descampado em declive, imenso, um dos poucos que restavam na cidade, na qual os prédios e as vias tudo invadiam.

     À frente a alameda que dava na entrada do cemitério, estirão até o cruzeiro, leve aclive, outro tanto até o enorme portão de ferro, leve declive. Para a esquerda, como se fosse uma visão em diagonal, a extensão máxima de tudo, todos os contornos de todos os modelos de túmulos e adornos múltiplos simbolizando, numa tentativa vã de amenização, a morte.

     Para trás, algumas tumbas mais atrás dele, o beiral para o descampado. A sua quadra. Bem assim já poderia dizer, tal a intimidade do tempo e dos dias que ali vinha. Todos os funcionários o conheciam, conhecia-os todos nome a nome. Lajedos de mármore negro, um grupo grande de túmulos de mesmo modelo naquela quadra.

     Pedrão, um negro enorme, um dos mais antigos coveiros, contava que era uma família rica a enorme que comprara toda a quadra, para ali sepultar todos os parentes. Ele mesmo sepultara muitos deles. Aliás, seu pai conhecia a história desde o primeiro, Costa Corte Cipriano.  Isso mesmo. Tudo sobrenome.

     Ventava ameno. Eriçaram-se os pelos do garoto. Toda a adrenalina no sangue. Por um momento, a brisa parou. O sol, que também pareceu parar, mais esquentava. Batendo pedaços de paus nas campas ao redor, vinha o grupo da escola. Aquele mesmo. Arredio. Haviam se dividido de forma a impedir uma escapada qualquer. Surgiram como do nada, cada um por detrás de um diferente mausoléu, era estudado, foi pego desprevenido.

     De antemão também já deviam saber onde ele estaria. Na quina daquele quadrante da necrópole. Batiam com a madeira nas campas. Riam um riso de deboche. Formavam como que um V ao contrário, o líder no vértice, mais lentos vinham seus asseclas. Estratégia. Para onde ele corresse, todos os outros se deslocariam para o mesmo ponto.

     Entraram um a um. Espaçadamente. Pedrão não estava de serviço. Se fosse seu plantão, teria manjado o golpe. Nada lhe escapava naquela cidade. Era um arquivo de histórias. Muitas de assombrações. Porque se essas mesmo existiam, todas o respeitavam. Mas, definitivamente, Pedrão não estava.

     Pensou em correr para trás, pular o muro, e ganhar a extensão do declive. Jamais o alcançariam. Surpreenderia a todos. Todos os sentidos do menino se aguçaram para essa fuga. Viu, lida nos olhos do líder, um traço de percepção de sua intenção. Então estacou. Percebeu, então, outro traço, agora de ironia nos olhos do rival.

     Ele achou que o intimidara. Até mesmo percebeu que a reação dele fez com que os outros ralentassem os passos. Era sincrônico. Agora, retomavam. O menino viu nessa retomada, logo em seguida ao tom de ironia no olhar do outro, uma sensação de prepotência da parte deles.

    Porque pensavam que o intimidavam. Enganavam-se. Agora quem devolveu um olhar com ponta de ironia foi o garoto. O modo como mirava nos olhos seu oponente, ele pôde ler isso nos olhos dele, intimidou-o, como que fazendo-o perguntar-se o que o torna tão confiante, se está encurralado?

    Manter fixos os olhos nos olhos do adversário desencadeou como que um diálogo. Este não entendia por que o garoto passou a lhe encarar, após a súbita impressão que ele teve de que, sentado sobre a lájea da tumba, ele se desnortearia. Não entendia a segurança do menino.

   Como se todos perdessem 1 segundo. Como se houvesse um sinal sincronizado. Como se lessem o pensamento do chefe. Sério agora, olhou a lado e outro, como que confirmando o avanço. Mas agora sério. E célere. Como se decidisse, após um átimo de hesitação, pela segurança vista nos olhos do menino, como que advertido a recuar. Jamais. Não recuariam. Lado e outro, como em câmera lenta, prosseguiram.

     

2 comentários:

  1. Prezado Professor Cid Mauro, boa noite.
    Li em algumas postagens suas neste Blog sobre uma missionária de nome Sandra Roger. Gostaria muito de entrar em contato com ela, ou com algum familiar seu. Se for possível, você poderia por favor me encaminhar algum contato dela (e-mail, Facebook, Whatsapp, etc)?
    Não sendo incômodo, peço me retornar pelo e-mail em que assino este comentário. Agradeço antecipadamente.
    Atenciosamente,
    João Paulo Oliveira

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  2. Complementando. E-mail para contato: joao.oliveira.amaral@gmail.com

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