segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Jornada Teológico-Natalina 3 - Na suposição de um (D)deus à nossa imagem e semelhança

       Uma outra pergunta, em minha falsa modesta suposição, seria: que Deus queremos? Que homem somos?

     Ora, longa jornada nos separa e nos conduz já ao longo de uma extensa história, desde a era áurea da filosofia grega e suas revisões sucessivas, incluída sua redescoberta no Renascimento, todo o legado da modernidade e até da pós-modernidade

      Impossível que não tenhamos, atualizada, uma versão, pelo menos hipotética do homem ideal que queremos para este século. Sem contar o engajamento de múltiplos movimentos emancipatórios, de cunho social e político, reivindicando que seja veementemente rechaçado tudo o que pode contribuir para o aviltamento da condição humana.

     Portanto, temos um perfil de homem/mulher emancipado(a) no presente século, ainda que haja plena necessidade de que, em nenhum momento, haja descuido na vigilância e, por que não dizer, na militância necessária para que sejam preservadas todas as conquistas. 

      O homem/mulher que somos, o homem/mulher ideal que queremos está, mais do que poderíamos supor, plenamente reconhecido e definido. Falta-nos, evidentemente, para os que supõe possível que assim, efetivamente, ocorra, definir o Deus que queremos. E revela-se problemática essa definição, porque se for o Deus das Escrituras judaico-cristãs, de cara, para usar este termo, Ele requer conversão, para lidar no cara a cara com esse homem/mulher. 

     Portanto, elas supõem a existência de um Deus que, no contato a que se propõe com o homem/mulher, há a exigência de que se convertam a Ele. Converter-se ao Senhor é uma categoria bíblica, tanto do Antigo, quanto do Novo Testamento, unidades que perfazem as Escrituras, em sua concepção cristã. 

      Trata-se aqui da tradição judaico-cristã, tão escorraçada, quanto não compreendida ou irresponsavelmente interpretada. Desculpem, mas nela consta uma referência a um Deus ou ao Deus que aqui desejamos definir, pura pretensão, ou de Quem ao menos configurar, em tom de provocação, algumas pistas.

      E passam as Escrituras a dizer, seja pelos profetas do Antigo Testamento, seja pelos apóstolos, no Novo Testamento, da necessidade de conversão a Deus. Obviamente, se fica expressa uma necessidade de conversão, é porque a condição humana, anterior a ela, é de não conformidade, interesse ou comunhão com Deus.

      A necessidade de conversão a Deus era advertida pelos profetas do Antigo Testamento aplicada, especificamente, ao povo de Israel e, no Novo Testamento, pelos apóstolos, que passaram a aplicar genericamente, ou seja, tanto ao povo de Israel quanto a todos os demais povos nessa mesma condição.

   Jeremias, o profeta dizia "circuncidai o próprio coração". Esse ritual foi instituído ao patriarca Abraão e consistia em retirar, com uma lasca de pedra, o prepúcio que cobria o pênis do recém-nascido. Como aplicá-la ao coração? Era óbvio que Jeremias estava definindo uma mudança interna de caráter, unicamente possível por interferência divina direta. Esse profeta estava definindo conversão. 

     Joel dizia "rasgai o coração e não as vestes". Rasgar as vestes era uma reação radical, diante de um escândalo que envolvesse uma tremenda afronta, como procedeu o sumo-sacerdote, numa teatral hipocrisia, supondo estar  Jesus blasfemando, ao ter reafirmado sua intimidade com Deus. Rasgar o coração, impossível objetivamente, como provocação do profeta, mas tangível, por ação exclusiva de Deus, foi o modo de Joel definir conversão.

    Paulo Apóstolo, na carta aos Romanos, afirma que "circuncisão é a do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus". Desta forma o apóstolo define conversão, seguindo raciocínio idêntico ao dos profetas: ação divina no ser humano, mas não feita por mãos humanas. Uma cirurgia sem anestesia, digamos assim, por mãos divinas. Vede, pois que, não somente se instala neste texto a pretensão de definir Deus, mas também a indicação de Sua primeira e intransferível ação no Seu contato, seja com o homem, seja com a mulher. 
    
   O primeiro sermão pregado por Pedro Apóstolo no Pentecoste, festa anual, tradicional e internacional em Jerusalém, realizada 50 dias após a Páscoa da crucificação do Cristo, sinalizou para a internacionalização do evangelho quando, pela primeira vez, foi enunciado, após a ressureição de Jesus, e interpretado por tradução simultânea, como milagre do Espírito Santo, a todos que afluíram para ouvir os apóstolos. O final desse primeiro sermão expôs a imperiosa necessidade de conversão.  

      As Escrituras definem um Deus santo, que se revela amoroso e dadivoso, a ponto de se tornar homem, na encarnação do Verbo em Cristo Jesus. Mas, para acolher homem/mulher nessa conversão, opera neles, pelo Seu poder, uma mudança de condição tão radical que a ela as Escrituras chamam, literalmente, morte/ressurreição, circuncisão pela mão de Deus ou novo nascimento. 

     E na interpretação, como aqui já mencionamos que ocorre, da condição humana --- porque as Escriruras são dádiva aos homens, como menciona Esdras, foram prescritas ao ser humano, por isso, como resgatou Martinho Lutero na Reforma Protestante, devem estar na mão e ao alcance de todos ---, pois numa interpretação criteriosa dela, jamais de deve admitir que se considerem apenas "figuras de linguagem" esses três modos acima mencionados do sentido e definição de conversão, quais sejam: morte/ressurreição, circuncisão tangível por mãos divinas ou novo nascimento.

       São literais. Se admitirmos que os escritores bíblicos falam em nome de um Deus em que, sinceramente, creem, então anunciam literalmente que o homem/mulher, a fim de se tornar aptos a obter e manter comunhão com Deus, obrigatória e literalmente devem morrer/ressuscitar em Cristo, ou ter sido circuncidados pela mão de Deus ou ainda ter nascido de novo.
  
   A explicar: essas três descrições das Escrituras apontam para o milagre que somente Deus efetua no homem/mulher que, uma vez interpelados pela mensagem de conversão, essa mesma individualizada aos judeus, no Antigo Testamento, e agora, no Novo Testamento, coletivizada a todos os demais povos, incluídos os próprios judeus, optem por ver em si mesmos, desse modo específico, realizado.

      Todo homem/mulher, uma vez acolhida essa mensagem, interpelados e dispostos a converter-se ao Deus da tradição judaico-cristã, somente se assim, voluntariamente, o desejarem, só o serão se e quando Deus neles ou nelas operar o milagre da conversão.

      A conversão a Deus é livre e opcional, mas uma vez decidida, somente se torna realidade quando e se Deus a opera no homem/mulher que assim o decidir. Quem não deseja para si uma nova matriz como pessoa, segundo é indicado no escopo da proposta de conversão, seja no Antigo, quanto no Novo Testamento, não pense em se converter ao Deus das Escrituras. Assim está posto. 

       A não ser que se queira um deus a sua imagem e semelhança, outra maneira de se supor o que, teórica e praticamente, poderia ser chamado idolatria. Nunca pense em recorrer ao Deus das Escrituras, caso despreze essa condição da conversão, porque esse Deus tem personalidade própria e vai restaurar em você o projeto exclusivo dele para homem e mulher, segundo previamente definido que o faz, nas próprias Escrituras, porque criou homem/mulher  à  Sua imagem e semelhança. 

     Há uma matriz para homem/mulher nas Escrituras, ainda que homem/mulher desejem ser o que quiserem ser. Se a questão for conversão ao Deus da tradição judaico-cristã (e aqui, muito cuidado com o que você já ouviu alhures  --- como gosto deste termo machadiano --- sobre o exato, lato sensu, do sentido e significado de tradição judaico-cristã), somente morto/ressurreto em Cristo, cirurgiado pela mão de Deus ou nascido de novo.

      Fora essa hipótese, não será esse o homem/mulher que as Escrituras definem, nem aquele o Deus por ela indicado. Seja, então, um deus a sua imagem e semelhança.


        
     

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