quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A última noite - Parte 3

 

    Esta é a sala do retorno de toda a memória. Agora chegavam ao ponto. Do lugar, da conversa e seu nexo e quem eram os atores: o anônimo e o Altíssimo. Você é... o homem, para confirmar, perguntava, por achar inóspito o lugar e inusitada a cena. Sim. Toda conversa comigo é informal. Prefiro as informais, para que haja menos mentira possível. Tentativa, é claro, assim poupo meu interlocutor de constrangimentos.

    Sei, disse o anônimo. Eu sei que sabe, disse o Altíssimo. Aliás, todos sabem. Mas você, interrompeu o homem, permita-me, dizer, não haveria ...  Ele interrompeu, não, não há. Não há ninguém com quem eu reparta minhas obrigações. E esta, desta conversa, é intransferível. Não há quem faça isto senão Eu.

     Voltando ao assunto, eu sempre fui intempestivo. Sei. Mas não era, assim, contra os outros. Todos dizem isso. Sei, quem agora disse foi o homem. E continuou. É verdade. Fui um homem e poderia ter sido outro. Certo. Muito bem. Isso também, em menor e maior escala serve para todos os viventes: sempre poderiam ter sido e ido além do que cumpriram ser.

     Certo, quem disse agora foi o homem, como respondendo pelo próprio argumento, mas também tem quem numa escala muito mínima tentou ser ou nem tentou. E viu no olhar do Ancião um estímulo a que continuasse o raciocínio. Bem, esse foi o meu caso. Sim, foi. Esta sala e esta conversa existem para que se chegue a essa conclusão. Por isso é uma antesala.

     Ele mirou, na verdade, agora até procurou mesmo, propositadamente, os olhos do Ancião para saber se, no geral ou no seu específico caso, antesala para o quê? Mas não enxergou e nem quis mais enxergar ou pensar nisso. Sim, ouviu, a conversa, em si, é mais importante, do que o seu resultado ou o que decorre dela.

     Veio a ele uma pergunta na mente, para logo se lembrar de que era o mesmo que ter dito: todo o resultado dessas conversas é positivo? A conversa sempre avalia o que se fez, em vida, do conhecimento a meu respeito, disse o Ancião. 

    Você concordando ou não, todos em vida têm responsabilidade por si, diante de si mesmo, dos outros e de Mim, quer aceitem isso ou não, quer pratiquem isso ou não. Aqui é o lugar de assumir, quer queiram ou não. O homem pensou no mundo todo e no tamanho da salinha. Não se preocupe. Aqui temos todo o tempo do mundo. Quer dizer, aqui temos todo o tempo, para mencionar como se ainda fosse uma unidade humana de grandeza.

      Silêncio. O homem entendeu que era para continuar. Começava a entender que a conversa ia rolar, até o ponto em que o Ancião se daria por satisfeito. Olhou com outros olhares a situação. Estranhou que assim se visse pensando. E novamente lembrou que ali e diante dEle, qualquer pensamento era ouvido em alto e bom som.

     E também começava a perder o medo. Mantinha o respeito. Assinou embaixo. Ali, modo assumido, qualquer esboço de pensamento era, imediatamente, registrado. Olhou para o Outro, mas desta vez buscando confirmação para a legitimidade do que sentia. Sempre lutei, na vida lá embaixo, contra esse sentimento. No fundo, no fundo sempre sabendo que era o que deveria me dominar. 

     Simpatia para comigo nunca foi proibido. Intimidade também. Era só, e ainda é, manter o respeito. Pera aí, respeito pelo Senhor, eu sempre tive. Agora sentiu que se precipitara em afirmar isso. O Ancião sorriu de soslaio e disse: Respeito é bom e eu gosto, mas inclui a si mesmo e aos outros.

    Que lição você tira disso? Preferiu ser didático dessa vez. O homem respondeu: que quem não se respeita, não respeita nem a si, nem ao outro e, consequentemente, nem a Deus. Então, lembrou-se da religião da esposa. De que a acompanhava à igreja. Olhou encarando, de novo, o Ancião, com esse pensamento na cabeça. 

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