sábado, 28 de março de 2020

Solidão


      Pastor protestante, eu sou, portanto crítico da pretensão de hegemonia da Igreja Católica. A que preço conseguiu, ao longo dos séculos, essa hegemonia?
     Herdou a planificação do império romano, espalhando-se por todo o mundo, e o mesmo modelo imperial de governo, representado pelo Papa.
    Bons ventos, na década de 60, pelo Concílio Vaticano II, quase a tornaram mais conciliar ou mais representativa, pelo menos numa feição, quem sabe, de assembleias cardinalícias ou até mesmo episcopais. Hans Küng que o diga.
   Mas ora, me diga: quem abre mão do poder? Só conheço um, Deus, quando se fez homem. Muito sugestivo o título do livro de Jack Miles: "Cristo, uma crise na vida de Deus".
     A figura solitária e solidária desse Papa, que podem chamar, na intimidade, de Papa Chico, resgata muito do sentido de ser igreja para essa Igreja.
     Porque nessa opção vertical de poder, depende muito da figura do Papa, se apenas um líder de mídia, ou se autenticamente um apóstolo, muito parecido com Cristo e, assim, representando todos nós. 
     Se há uma igreja que quer ser Igreja mundial, teria de ter como seu representante máximo alguém muito parecido com Jesus. Para qualquer cristão, até para o Papa, o que vale é ser muito parecido, aliás, Paulo Apóstolo diz imitador, no grego, "mimetai", daí mimesis, pantomima, imitação de Cristo. 
     Na sua solidão, na portabilidade e igualdade, para alguns forçada e a contragosto, que o vírus proporciona, a imagem de um homem solitário, chamado Chico, orando "urbi et orbi", representa-nos. 
     Ele é um Papa latino. Ao próprio Natanael, Filipe, apóstolo relações públicas entre os outros, disse "Vem e vê", quando aquele menosprezou a Galileia, região de procedência de Jesus: "De lá pode vir alguma coisa boa?".
     Ele mais ainda nos representa. Para mim, pastor protestante, igreja sou eu e sacramento sou eu mesmo, batizado no Espírito Santo pelo próprio Jesus, no ato de minha conversão. 
    Diametralmente oposto ao que professa a Igreja. Mas, para o coronavírus, e muitos outros micro-organismos, somos todos iguais. Para eles, barreira nenhuma separa a humanidade. 
    Nenhum modo diferente de entender. Gestos dizem muito. Tomara, quando passar esta calamidade, descubramos que, realmente, houve mudança. Mas não é o vírus que vai mudar a gente.
    Essa mudança, nem o Papa Chico faz. Essa mudança só Jesus faz. Que não fique, apenas, represado, em mim, pelo medo, tudo de ruim que tenho. E que, segundo Jesus, todos temos, como disse em Marcos 7,21: "Porque de dentro, do coração dos homens (e das mulheres também), é que procedem os maus desígnios".
     Que Jesus continue sua obra na vida de cada um de nós. E que cada um possa ser não apenas outro, mas ser novo. Para que ao fim desta calamidade, possamos vislumbrar, com certeza, um mundo melhor.

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