quinta-feira, 11 de junho de 2015


 Manifesto por uma teologia do absurdo.

        Resumindo, de uma vez por todas, é necessário encontrar, na Bíblia, um só argumento que derrube todos os outros, reduzindo-os a nada. Assim, economizamos tempo, esforço e raciocínio, sim, porque raciocínio é coisa que se deve economizar.

           De um tempo para cá, uma série de argumentos tem sido levantados, com total honestidade e competência acadêmicas, diga-se de passagem, mas que quebram, de uma vez, a antiga credibilidade que o Livro nutria, trazida consigo, ao longo de séculos.

           Sem nenhuma intenção premeditada, é claro, e até por força de sua própria natureza, esses argumentos, os quais refletem procedimentos científicos contemporâneos e, por isso mesmo, criteriosos, têm nos ajudado, falo aqui sem ironia, a desmistificar as Escrituras, livrando-nos, e a ela também, de uma má fama de crédulos, ao invés de crentes.

             Por exemplo, meu filho (eu e meus exemplos domésticos), recentemente, comentou sobre a precisão de Lucas, o Evangelista, ao datar o nascimento de Jesus, sim, aquele texto mesmo, que cita Quirino, governador da Síria. Ele, meu filho, comentava que havia lido que tal ou qual autor (nem perguntei quem), havia citado cerca de 20 confirmações precisas, existentes no contexto dessa datação lucana, da época do nascimento de Jesus.

              Qual, de novo, não foi a surpresa de meu filho quando, e eu nem o preparei antecipadamente, prevenindo-o para uma revelação bombástica que, ao contrário, já detonaram Lucas, sua autoria e seu pretenso "Evangelho" há muito tempo. Que beneméritos, de novo, sem ironia, exegetas, desde o início do século 20, exercitaram-se em nos livrar de acreditar nessas 20 (e muitas outras) "certezas bíblicas".

              Se nem Lucas escreveu ou, se escreveu, é necessário garimpar em meio a todo o Evangelho o que vem de sua lavra. A Tradição, essa entidade impessoal, foi quem atribuiu, aqui e ali, Evangelhos, Epístolas, enfim, textos do Novo Testamento a tais e quais autores, de muito boa fé, porém sem nenhuma fidedignidade, pelo menos dentro das exigências e critérios da moderna crítica. Era costume seu (dela) fazer assim, sem malícia ou má fé, por pura, digamos, tradição.

             Generalize-se esse procedimento, para se ter dimensão da extensão da tarefa, qual seja, retificar a visão tida como segura da autoria deste ou daquele livro da Bíblia, por aí afora: Cartas de Paulo (sim, quantas autênticas?), Cartas de João (talvez, a primeira), Epístolas de Pedro (nenhuma das duas), Apocalipse (se foi mesmo de um João, como Garrincha identificava, pode ser qualquer um, menos o apóstolo).

            Parece gozação ou, como já mencionado, ironia, mas não é: trata-se, aqui, de um jeito descontraído de nos colocarmos diante de um problema atual com relação à credibilidade do texto bíblico. Pode parecer que não, mas opera-se uma mudança de paradigmas em relação ao estrato fonte, vamos inventar este termo, fundamento da guinada há quase 500 aos atrás, no que ficou conhecido como Reforma Protestante.

                 A Bíblia deu o tom dessa guinada. Atualmente, opera-se a tentativa de fincar estacas em limites ainda não bem definidos, visto que a credibilidade do texto, sua integridade, sobre quais partes dele fixar exegese, deduzir argumentos, exercitar retórica, ora, de repente avisam você que tal argumento não é paulino, ou joanino, ou ainda petrino e você leva o mesmo sustão que meu filho levou.

             Até que ponto, então, a necessidade de integridade do texto (já que a autoria já se tornou relativa) deve ser necessário reivindicar para que qualquer argumento em questão, referente ao texto, seja aceito como autorizado? Vamos logo perguntar, até que ponto tal ou qual palavra de Cristo, não foi Ele que proferiu, apenas está sendo atribuída a Ele e, por sinal, por via de um autor considerado apóstolo ou próximo deles, como Mateus ou Marcos, mas que não há, absolutamente, garantia que tenha sido palavra fielmente dita pelo Mestre e nem, ao menos, tradicionada pelos caras. Coisas da Tradição dizer que era, quando, absolutamente, não foi.

             Ora, se isso não representa mudança de paradigma, digam, então, o que representa. Se isso não sacode a credibilidade do Livro, lido pelo público comum (se bem que o Livro está sendo, cada vez mais, menos lido - favor respeitar as vírgulas para entender esta afirmativa) como, exemplo doméstico, meu filho e seu susto ao ter afetada sua credibilidade primeiro e, repentinamente, no autor que fiquei sem saber quem era e, posterior e imediatamente, em Lucas, na Bíblia e em mim mesmo, duma só vez.

              Sugiro, então, para abalar, definitivamente e de uma só vez, a estrutura do Livro, um só absurdo. Se pudermos provar que, por um só absurdo a Bíblia pode ser, definitivamente, desacreditada, prevalecerá seu valor literário (mesmo porque geográfico, histórico, doutrinário, arqueológico, sociológico, psicológico, enfim, definitivamente, a Bíblia não tinha razão). Proponho, então, a troca de um só absurdo por todos os outros. A seguir.

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