quinta-feira, 11 de junho de 2015


  Deus e WhatsApp

    Não dá mais para viver sem WhatsApp. Antigamente, nem tão antigamente assim, visto que as transformações, de 50 aos para cá, meros meio século, deram saltos. Pois desde a era do rádio, passando pela TV, preto e branco, em cores, chegada das antenas intelsat, embratel, enfim, chegada da internet, telinha dos smartphones, avanços e mais avanços.

    E a comunicação com Deus? Basilar. Básico. Caso fique provado tratar-se de absurdo, puro absurdo que, duas coisas: (1) o homem possa falar com Deus e ser ouvido; (2) Deus responder ao homem, ou mesmo falar com ele. Eu quero o WhatsApp de Deus. Espere aí, alguém diria, respeito: a comunicação com Deus é instantânea, rápida, por meio da oração, sem linha e imediata, sem tempo.

       Não é não, diria outro. Para começar, estamos supondo que Deus existe. Isso posto. Para quem não acredita nisso, pare de ler aqui. Adeus, ou melhor, a Deus: sobre isso falaremos posteriormente. Aqui, nesta econômica fala, queremos discorrer sobre comunicação com Deus. Sim, porque se Ele existe e não se comunica, nem precisa existir. Mas partimos do axioma (sempre se parte de um axioma) de que Ele existe e fala com a gente.

         Daí mais este absurdo: é para ser fala instantânea, fala WhatsApp: falou, respondeu; clicou, lá e cá e, ainda por cima, imagem. É claro que, no WhatsApp de Deus, não precisaria imagem de  nenhum dos dois lados da comunicação: (1) de nossa parte, de nosso lado, não precisava, porque Ele é Onisciente, tudo vê e tudo sabe, seria infantil colocar na telinha dEle a nossa cara, ou seja, no geral, Ele não precisa de tela; (2) no caso dEle, ou seja, em nossa tela, só apareceria mesmo a escritura (ou Escritura), porque "homem nenhum jamais viu Deus", exceto Jesus, óbvio, que, além de ter visto o Pai, revela-O todo, por inteiro, semelhança pura e total, com o Pai. Identidade.

       Daí não compreendermos como, nestes dias de deslumbramento com a(s) telinha(s), Deus se conserve assim tão antiquado, que não revoluciona a comunicação Consigo mesmo. Poderia ser algo mais instantâneo mesmo, viva voz, sim, uma voz grave, que nos fizesse tremer, é claro, mas que fosse, instantaneamente, de novo, subitamente, on time, on line, instan-t, instagram (sem imagens, é claro, por razões óbvias, aqui já e devidamente explicitadas). Por puro respeito e sem ironias.

          Talvez. Talvez a comunicação com Deus seja mais imediata do que esse vício que adquirimos recentemente, de não largar, por nada, a telinha. Aliás, a telinha nos rouba, nos tem roubado a comunicação com Deus. Não há conversa mais rápida ou instantânea do que a oração. João, em sua primeira carta, afirma que nossa comunhão é. Esta frase, sem predicativo do sujeito (este sujeito aqui somos nós), por si só é expressiva: serve para constatar que, entre nós e Deus, a comunhão é.

          Talvez, de novo. Talvez seja esse o maior absurdo da Bíblia, qual seja dizer que Deus tem comunhão conosco. Pobre livro. Pobre livro e seus absurdos. Antigamente os crentes repetiam que esse livro, na verdade, esse Livro é (era) Palavra de Deus, infalível (pelo menos, é claro, quando bem e corretamente interpretado). Hoje em dia, não mais o abrem. Livro abandonado, às moscas, desacreditado, relegado a último plano. Sim, aparece, de vez em quando, na telinha, mas em meio a tantas outras coisas que, na verdade, por pura superstição, ainda é mantido como talismã, para dar sorte, um ornamento da fé.

             Minha filha, perto dos 3 ou 4 anos, certa vez, me perguntou por que falava, falava com Deus, mas Ele não respondia. Ela queria que fosse mesmo instantânea a fala. Foi meio difícil, teologicamente (e nem sei se deveria ser assim) explicar o porquê. Crianças, diz Jesus, estão mais perto do Reino. Adultos, se não se fizerem, autenticamente, crianças, como disse Jesus a Nicodemos, nem enxergar e nem entrar entrarão no Reino.

            Talvez, crianças tenham, com Deus, instan-t, instagram ou WhatsApp. Depois perdem, talvez seja mesmo por nossa causa, os adultos, que interpomos diante delas tanta inutilidade, que as afastam do cara a cara, da intimidade sem afetações, sem 'espiritualidades', sem cacoetes que elas têm com o Altíssimo. Vai ver que Deus priorize mesmo as crianças. Só que ele as entregou aos nossos cuidados. Aliás, desde que Deus pôs um montão de coisas aos nossos cuidados, começaram os problemas. Desde o tempo do Jardim, cultivar e guardar o Jardim. Me parece que entre as palavras cultivar e cultuar há parentesco.

             Talvez. Talvez Deus não seja instantâneo no falar conosco, pois já falou o suficiente, mas não demos e não damos atenção. Não sabemos o que fazer com o que Ele já disse. Então, para que Ele falar mais? Mas continua falando. O autor anônimo da Carta aos Hebreus começa dizendo "Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras." Paulo emenda, aos Romanos que, somente por meio das coisas criadas (1) os atributos de Deus, (2) o poder de Deus e (3) a divindade de Deus claramente (atentem para este advérbio) se reconhecem, desde a fundação do mundo (atentem também para este outro adjunto adverbial).

          Talvez, não: com certeza, Deus fala. Não é instantânea, se assim julgamos, Sua fala, é porque deseja que a gente reflita no que tem dito. Deus deseja que pensemos. Ele deseja que mudemos nossas prioridades. Na verdade, nos fazemos surdos para o que Deus fala. Olhando à volta, por meio das coisas que foram criadas, poderíamos, sem que Ele ainda falasse, conhecer (1) Seus atributos, (2) Seu poder e (3) Sua divindade. Atributos, são as qualidades de Deus. João exagerou, simplificou e definiu, de uma vez, a principal delas, na opinião dele: Deus é amor.

           Poder, é a capacidade que Ele tem de agir, sempre em favor do homem e da humanidade, como um todo. A Natureza, bem, ele a deu para que dela cuidássemos. E deu no que deu: (1) não cuidamos de nós mesmos, (2) não cuidamos do outro e (3) não cuidamos da natureza. Quanto a Sua divindade, era para que nela O contemplássemos, era para que fosse reconhecida, divulgada, que nos mirássemos nEle e víssemos, como num espelho, nossa imagem. Deus nos criou a Sua imagem e semelhança. Ou, ao inverso, era para que achássemos em nós a imagem dEle. Sede imitadores de Deus, diz Paulo, noutra absurda sugestão escrita no Livro.

          Pretensão nossa querer o WhatsApp de Deus. Se eu fosse deus, em minha demiúrgica divindade, não daria atenção aos mortais, jamais, caso eles não dessem atenção às minhas falas. Deus continua falando, ainda que poucos deem atenção ao que Ele fala. Deus é amor. Deve ser por isso que não se cansa em repetir, tratando com o homem, para ver se este O escuta.

             

Nenhum comentário:

Postar um comentário