quinta-feira, 29 de janeiro de 2015


 Três coisas.
            Está bem. Devo estar sendo repetitivo. Mas também, sou portador de uma amnésia, digamos, funcional, digamos assim, na falta de um diagnóstico mais exato e preciso. Três coisas. Quais, mais exatamente? Três coisas bem presentes na natureza humana e francamente rejeitadas ou, para falar de outra maneira, das quais o homem procura se esconder, fugir delas ou dissimular que existam.

           A primeira delas é o fato de que somos iguais. Está aqui a repetição acusada linhas atrás. Isso porque, aqui mesmo neste espaço, já falei, um texto inteiro, sobre isso. Mas vale, vale?, a pena retornar a esse assunto. Mesmo porque, já dissemos, fugimos disso. Lutamos, desesperadamente, contra essa ideia de que cismam nos acusar, sim, porque já virou uma acusação, intriga, desplante insistir nessa tecla viciada, desafinada, emperrada, qual seja, de que todos somos iguais (diante de Deus), ou perante a Lei, ou perante os Direitos Humanos, invoquem a Biologia, a Filosofia, enfim, droga.

              Por definição, somos. Mas essa ideia de que somos é franca e plenamente rejeitada ou fingimos que não é conosco. Iguais, uma (outra) droga. É evidente de que não existe: entre pessoa e pessoa, raça e raça,  nível (é outro nível) e nível, enfim, não há igualdade, pura demagogia, é lógico. Insistir e procurar viver como se essa história de igualdade fosse exequível, verdadeira, vai acabar sendo ou virando, aí sim, uma hipocrisia. Para evitá-la, portanto, negue-se essa história de que somos iguais. E vamos em frente, assumindo, contornando, simulando, sem queimar nosso filme, mas constatando essa desigualdade.

            A segunda coisa é que somos falhos. Talvez esta constatação seja mais radical, mais difícil de negar do que a anterior. Esta, a anterior, me refiro a ela, provavelmente vamos encontrar alguém ou 'alguéns' que neguem e digam, não! Somos, sim, iguais. Idealistas. Precisamos deles ou desses. Mas esta segunda constatação é impossível de ser negada: qualquer e todo homem/mulher são falhos. Daí, talvez, inclusive, proceda a ideia de que pensar em igualdade, nivelamento idêntico, amplo, geral e irrestrito, é uma burrice. Há quem seja mais e quem seja menos falho. Há falhas enormes e falhas mínimas, portanto, impossível dizer ou computar a mesma responsabilidade indistintamente.

           Porém não estamos avaliando graus de falha ou medir qual delas, das falhas, é menor ou maior, mais ou menos danosa. O que queremos destacar aqui é que todos somos falhos. O grau das falhas, por ocasião, aqui, não interessa, em primeira instância, elas se tornarão oportunistas, dependendo do conflito em questão, vamos manipulá-las a nosso interesse. O que interessa destacar aqui é que falhas colocamos a nosso serviço, emergências a nosso critério, arma de defesa e ataque, meios de satisfação de nossas taras, enfim, manipulamos a nosso favor e, linguajar bíblico, somos concupiscentes. Segura aí a definição: "Desejo desenfreado, ambição, pecado estimulado através de três áreas do ser humano: carne (corpo físico), olhos (alma), soberba (espírito)".

            Segurem mais esta, linguajar do apóstolo João  : Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.” 1 João 2: 15-17. Sim, se fora do contexto deste texto, vão desculpando aí, mas cultura bíblica é sempre bom. 

           Bem, dois pedidos de desculpa, ainda: desculpem-me usar a palavra pecado na definição copiada da net, palavra tão vista com reservas nesse contexto da mentalidade (pós)moderna. E desculpem a menção corpo-alma-espírito, coisa meio metafísica, mas a tendência é tentar dizer que todo homem/mulher estão envolvidos nessa história. Falha, concupiscência ou pecado, enfim, toma todos por inteiro, sem que haja qualquer espaço que sobre vago de sua influência (nefasta) no ser humano e em suas relações com outros seres humanos, com a natureza, enfim, enfim. Com + cupere, intensivo 'com', do latim, e 'cupere', que significa 'querer, desejar', a fusão dos dois gera o sentido de 'concupiscente', o que tem um forte desejo, 'concupiscência', ter forte desejo.

            E por último, em terceiro, somos frágeis. Para resumir a história, o cemitério nos espera. Esta parte do texto, já próxima de seu final, me lembra meu pai, que já está lá, no cemitério, ele gostava de visitá-los, enquanto em vida. E eu, quando menino, ainda antes dos 10 anos, cismava de dizer, por ser muito apegado a ele, que se ele me faltasse, dizia eu para minha mãe, eu morreria também. Então Cid, o nome dele, começou a me ensinar sobre morte. Começou dizendo que, quando ele mesmo, ainda menino, cismava com a morte, no sentido de ter muito medo dela. A família se reunia nas madrugadas, companheiros do pai dele, para trabalhar o fumo a ser vendido, enquanto bebiam o café com bolo de minha avó, contavam histórias, inclusive, de assombrações. Meu pai tinha medo, incluído o de morte.

               Somos frágeis, vamos nos acostumando com essa ideia. Já daí deveríamos ser condescendentes, uns com os outros, levando ainda em conta que somos, mesmo, falhos, iguais e frágeis. Não sabemos nem quando e nem onde a morte vai nos encontrar, vamos esbarrar com ela, por isso, então, deveríamos ser solidários. Acho que constatar essas três coisas, juntas, talvez com outra ou outras duas que, aqui, não me ocorram, bastaria para que tivéssemos, em relação uns aos outros, critérios mais justos de relacionamento. Iguais, falhos e frágeis. Poderia ser esse um ponto de partida para toda a solidariedade. 

       

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