terça-feira, 26 de novembro de 2019

Dante, Inácio e Dirley: não necessariamente nesta ordem.

     Famílias são muito interessantes. Cada qual com sua personalidade. E, como diz o vulgo, a gente não escolhe na qual vai nascer.
    Chegamos chorando, aprendemos a rir, no contexto delas, entre outras marcas, para carregar pelo restante de nossas vidas. 
    Eu sou o neto mais velho. A essa altura, quer dizer, a bola da vez. O que não significa muito, porque Dorcas havia pedido a Onésimo que não furasse a fila.
     De nada adiantou. Por falar em Onésimo, quem lembra dos sorrisos, respectivamente falando, do Tula e da vó Eunice (refiro-me à trisavó, visto que a outra Eunice, dela descendente, já é bisavó de Dora)?
    Essa família é sorriso, antes de mais nada. Daí enfrentar perdas e sofrimentos com resiliência (palavra da vez). Os bebês dessa família podem se preparar para continuar a rir.
   E os agregados que vão chegando, entram nessa mesma dança. Dante, Inácio e Dirley são mestres do humor. Do marinheiro, a gente não esqueceu o sorriso. 
     De Dante e Dirley, basta conferir. E ainda não falei das mulheres, todas representadas nas gargalhadas de Eliana. Um dos sorrisos mais silenciosos, não menos moleques, no bom sentido, era o de tia Iracema.
    Ele se desenhava aos poucos, insinuado, secreto. Lembra muito o de sua filha Elaine, que também não avisa quando vai rir e rindo mais esconde do que revela. 
    Voltando aos agregados, cunhados de ouro, todos muito ligados à minha formação. Dante, desde as gozações ainda na tenra infância, visto ser o mais antigo. Antes dele, só o meu pai, o Cid.
    Também se destacava na risada. Quem nunca o viu esfregar as mãos entre os joelhos, alteando ombros ao ritmo da risada da hora? Isaac herdou uma dessas modalidades de riso, mais discreta, pendendo a um dos lados a cabeça. 
    Dante cantava a música do palhaço Carequinha, mexendo com a lenda urbana de que eu urinava na cama. Vinguei-me, certa vez, num daqueles almoços enormes aos domingos, após a EBD na Congregacional de Nilópolis. 
    Eu dizia que queria fazer xixi. Assim, despistava minha mãe, para não comer tudo à refeição. Dante esticava as mãos, em forma de concha, com o jeito súbito e criativo de sempre: faz aqui, ó, ele dizia. 
    Claro que eu entendia que era somente retórica. Havia ênfase, feição e gargalhada dele. Ora, todos os filhos, a filha, netas e netos conhecem essa cena teatral dele. E eu sempre entendi e me bloqueei, em respeito. 
     Até o dia em que pus o pululu (como sofri bullying - naquela  época, ainda fora  do Código Penal - de toda a família, por esse designativo inventado por Dorcas!) para fora, e fiz. Ele não sabia se escorava ou não, preocupado na conservação do chão de tacos de madeira de d. Eunice trisa. 
    Ele que saiu da mesa, em busca do banheiro da velha casa. Surpreendi meu querido tio, lá se vão mais de 55 anos, com certeza. Ele voltou enfático como sempre, fez uma gozação ou outra, na hora, e continuamos amigos. 
    Dirley foi meu professor de português e Inácio de matemática. No primeiro ginasial, isso foi em 1969, eu fiquei em final precisando de 6,0. D. Ivete, jamais esqueci daquela professora de 1,80 m. Poderia ser até menor, mais ficava enorme como obstáculo numérico. 
     Manoel Inácio amava aritmética. Suas explicações duravam 30 min de aritmética por 10 min de nosso programa. Mas tirei 9,0 na final. Valeu, Inácio. E Dirley mal sabia que eu teria a mesma profissão dele. 
    Gastava muito tempo, desde o tempo daquela transversal da Dr. Rufino onde moraram, recém casados, na última casa daquela vila (e lá vão 50 anos, eu com meus já 62).
    Em 1976, no GPI, pré-vestibular, um professor de cursinho de quem não lembro o nome, ativou meus neurônios por seu método, trazendo às conexões tudo o que, no arquivo, esse outro cunhado agregado da família havia cuidadosa e dedicadamente implantado. 
     E Dante também ajudou até nas descobertas próprias da pré-adolescência. Em Belford Roxo fui brincar com os meninos. Eram os primos que, ainda que mais distantes na idade, com quem mais afinava.
     Claro que também  aprontávamos, Rubinho e eu, poucas e boas na velha casa, ainda quando tio Merinho e tia Zila lá moravam. E com Binho, era quando toda a quadrilha - no bom sentido, de Carlos Drummond de Andrade, pois nos amávamos e nos amamos - se reunia: Bela, Nanica e Cabrita, para o fuzuê em meio aos caixotes de feira-livre no quintal do Bide. Só Erlon escapava. Era dimenor. 
    A ida para Brasília foi só um intervalo. Mas meu pai, tia Maninha e eu visitamos a família no Gama. E, vejam que azar, às vésperas de minha segunda temporada no Acampamento Ebenézer, isso deve ter sido em 1971, Lincoln me passou papeira (aqui no Acre), caxumba (aí no Rio), isso mesmo, naquela visita a Belford Roxo.
    Foi Dante que passou à frente de meu pai, para explicar por que eu deveria repousar, para a papeira não descer: senão não poderia ter filhos quando casasse. Como assim, Dante? Ele fez aquela cara de espantado típica e me disse que perguntasse ao meu pai, para maiores e mais detalhados esclarecimentos. 
    E outras  mais conversas. Essa geração, entre 40 e 65 anos, primos e primas, gente, como fomos e somos felizes! Desde os sorrisos de Tula e Eunice Trisavó - do neto de Rubinho - que aqueles dois, quando riam, fechavam os dois olhos e desenhavam um sorriso lindo, com todo o rosto. Lembram? 
    A gente aprendeu a rir com eles. Ainda que houvesse dificuldade, como a que não vimos, diziam os mais velhos, quando a nossa vó dividia o café da manhã entre os filhos e, às vezes, não sobrava para ela.
    Como quando tia Gi, avó e bisavó também, mas das mais novas, conta que dormia vendo as estrelas no céu, na velha casa, ainda sem janelas. Ou quando Cid achou farta a mesa do Natal de 1949, primeiro ano de namoro, e Dorcas esclareceu que, naquele ano, Tula fritava parida (no Acre), rabanadas (no Rio) e bolinhos de bacalhau, até!
     É que naquele ano Merinho, Eber e Maninha, os três, trabalhavam e puderam ajudar no orçamento de lauta mesa natalina. Com eles e elas aprendemos a sorrir. Ainda nem tínhamos tino, mas rimos e os vimos rir. 
     As irmãs e os cunhados, os irmãos e as cunhadas. Essa família é família do sorriso. Quanto mais na alegria e, inclusive, eventualmente, na dor. Assim vamos caminhando. E assim contaminando a geração que chega. 
    Que vejam em nós, aprendam e transmitam. Como diz Jobim: sorrio, só rio, só Rio. Fechem os olhos e se lembrem das gargalhadas e sorriso dos que já foram. Ensinaram-nos a rir. Tinham um segredo. Um secreto dentro. Alguém sabe o que é? 

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