sábado, 12 de setembro de 2020

1978 - Parte três

 1978

    Se eu disse ter sido uma luta em três dimensões, acadêmica, vocacional e moral, desejo dedicar-me mais à feição última aqui mencinada. Porque confrontou-me com o essencial à fé. 
    Ela vem em socorro de nossa salvação. E nesses meus conflitos dos 20 anos, devo dizer, iniciados aos 20, para que se delineasse a vocação, como Deus queria, fui confrontado comigo mesmo e posto diante da realidade e necessidade da fé. 
   Não digo que me tenha convertido, isso ocorreu bem cedo, mas como que uma perda da "inocência" (que nunca tive), o despir-se de uma ilusão, de uma certa acomodação e conformismo que, acho, eram despercebidos por mim, porém não menos danosos.
     O Cid Mauro "gente boa" cedeu lugar ao real pecador necessitado de arrependimento e conversão. Como se, potencialmente,  Deus me mostrasse o que eu seria, se não fosse a represa, até ali, de minha "espiritualidade" e do puritanismo de tradição, e o que me esperava, se insistisse em continuar em toda essa panaceia.
    O "ai de mim" de Isaías se esboçou para dentro e por dentro de minha realidade. Os sobe e desce pelos corredores e escadas dos prédios da PUC, entradas e saídas de aulas estéreis de tudo, a defasagem do medir-se a toda hora, meu único referencial eram as reuniões do grupo da ABU, onde eu me via extraindo para fora o conteúdo que, nos anos pregressos, e para dentro dessa fase eu havia armazenado dentro: leituras e leituras da Bíblia. 
      Muito eu repetia e ouvia para mim mesmo. Mas também falando para quem ali estivesse. Certa vez, a líder de uma das pastorais católicas foi assistir ao grupo, certamente para dar o tom do que achava mais pertinente de se ouvir ali. Ela defendeu que a visão humana de Jesus era o que mais importava. E justo no dia em que, no tal "estudo indutivo", lemos Mateus e a ideia dele de deixar Maria em secreto.
      Um dos presentes, então, perguntou como Jesus nascera, como o Verbo se encarnara, como Maria poderia ser virgem, se o bebê nasceu. Prontamente eu interferi e argumentei, ora, como nos disse a Irmã, quem é inteiramente humano, verbo encarnado, Deus que se fez homem, não poderá ter nascido de um modo fantásmico.
     Ela ponderou que, noutra oportunidade, poderíamos discutir com mais propriedade tema tão sensível. Doutra vez, entre nós havia um frequentador, cujo nome não recordo, que demonstrava excelente conhecimento bíblico. Mas não dizia sua origem. Apenas que havia passado algum tempo nas A. de Deus. Porém, seu cabedal não demonstrava afinidade com a doutrina pentecostal. Era um mistério. 
     Colei nele, era nesses dias que o líder do grupo reclamou, em off, que eu não insistisse tão veementemente nos textos morte/ressureição em Cristo, batismo e selo no Espírito, convicção irredutível de salvação. Mas minha insistência o fez convidar‐me, e aceitei, por dois dias participar da doutrinação da "igreja" de Sun Myung Moon, coincidentemente numa casa, no Méier, a 50 m da minha.
     Um conflito insolúvel por dentro, uma articulada recitação de textos bíblicos em arquivo para fora aliada a uma autodoutrinação para a justificativa de cursar o seminário, tudo se fundia numa forja só, esboço da crise existencial determinante de minha formação como pessoa. 
     Acho que minha adolescência começava aos 20, para terminar em torno dos 30, pouco mais, pouco menos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário