sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Minha Professora do Admissão


     Por onde vida?
     
     Ela se define de variadas formas, modelos e maneiras. Pois ontem, 01/02/2019, Rio 41 graus, ela passava pela recepção de um supermercado. 

    Ali se sentaram três mulheres e um aluno sessentão. Até nos nomes o destino fez poesia: Cleuma, Neusa e Edileusa. Gozado que as duas últimas pegaram carona na conversa da professora e seu aluno de 50 anos atrás. 

      O foco era a vida da professora de 6a série primária, o Admissão de 1968 em quase seu último ano de vigência e uma heroica existência. 

      Para quem chegou depois na vida saiba que, antigamente, existia Curso Primário, de 5 anos, mais a 6a série, opcional, o Admissão para acesso ao Ginasial, de 4 anos e, finalmente, o 2o grau: estava então encerrada a Educação Básica. Completei esse percurso.

      E d. Cleuma e eu nos encontramos em março de 1968. Ela, ágil desde 1934. Filha única de um artista da noite e funcionário público. Quase arquiteta, pois sempre teve como hobby construir e reformar casas: Olaria,  Meier, Engenho de Dentro, Sepetiba e até em Maricá, do outro lado da baía de Guanabara. 

   Mas era mesmo para que fosse cirurgiã. Nisso houve grande ironia, pois o primo que a teve como auxiliar,  numa mini-cirurgia caseira, na casa da madrinha, contestou essa vocação. 
   
     Porque a madrinha,  ensimesmada, jamais sairia de casa. E carregava consigo um abscesso. Era complicada com o sobrepeso? Talvez. Mas o fato é que essa mini-cirurgia,  improvisada num dos cômodos da casa,  teve Cleuma, 8, como instrumentadora cirúrgica. 

      Bastou. Provavelmente recalque do primo que, num relance, deve tê-la percebido muito à frente dele e, mais reiteradamente, mulher. Então decidiu que ela, negra ainda por cima,  jamais poderia ou deveria ser cirurgiã.

     Então Cleuma Brasil deu a guinada de sua existência e, por vingança,  haveria de perder a conta dos médicos cirurgiões, engenheiros, políticos, professores e professoras,  enfim,  ela se tornaria professora e encaminharia na vida essa gente toda, eu incluído.

       Pai artista de dia, funcionário público, músico pianista à noite, chegou aos 74, muito provavelmente pelo misto de boemia, cigarro e vida funcional espartana. Já a mãe voluntariosa, por rotina, tendo a sorte de ganhar filha e marido subordinados a seus caprichos, foi a mais de 90.

   O temperamento de minha professora, portanto, transitou entre esses dois mundos, tendo adquirido o jogo-de-cintura que somente os professores têm, para ludibriar a vida e reger, com maestria, as salas de aula dessa mesma vida.

      Extensa essa jornada e toda cheia de bons frutos em sua existência,  Cleuma, a tia que encontrei no Admissão, 6a série primária, em 1968, no Meier, Rio de Janeiro, continua sendo Mestra por onde passa. Exemplo de vida permanente. 

      Plena de energia, lucidez e iniciativa, mantém uma agenda ativa e criativa, muito mais que muita gente. Com ela se confirma o que diz o profeta Isaías,  "os jovens,  de exaustos, caem". Cleuma vive de renovar as suas forças. 

     Conversamos mais de 3h. Guardei gravado um relato síntese de sua vida. Uma pincelada de arte que,  diante do tudo que ela pôde empreender,  tem dois sentidos: um, simbólico, porque denuncia o valor permanente de minha querida professora. 

     Outro, tesouro sem preço, por ser reflexo de um valor maior, representado por tudo que ela empreendeu nesses 84 anos de vida plena. Viva, professora,  sua precisosa vida!

     Intensamente. Ah, se todos tivessem olhos de lhe ver, minha querida professora do Admissão! Vocês lembram? Educação sempre vem seguida de poesia, romance e paixão. Vivam os profesores! Eles e elas são eternos: sejam inesquecíveis.



   

       
      

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