segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Crônicas de uma vida XIII - A(in)cidentes acontecem

         Mais uma do Joaquim, mas não me perguntem se antes ou depois da agressão com o pedregulho que, por sua vez, foi (do verbo "deve ter sido") reação à pedregulhada que dei na porta de sua casa.

         Sem que eu esteja exagerando, este relato vai demonstrar que ele(s) é que era(m) exagerado(s). Fui à casa deles, essa mesmo que, pelo que deduzo, provavelmente deixou de ser um par geminado.

        Essa minha visita, talvez, tenha sido influenciada pelo meu lado, digamos, conciliador ou resto dele. O fato é que estávamos no quintal, na verdade a parte não cimentada atrás, área externa da casa. Acho que era um coqueiro que havia.

         E a manobra era sobre pegar cocos e as dificuldades para escalar o tronco de coqueiros. Havia mais um irmão, deste não me lembro o nome, mas não era nem o que me segurou, não acho que tenha sido o futuro esposo de Dora, sim, porque a filha única da portuguesa amiga e vizinha casou-se com um deles.

          Mas o fato é que esse irmão tentava subir para pegar cocos e havia um facão sobre a pia da cozinha, pronto para abrir os que fossem retirados. A memória sempre tem o perigo de refluir e inventar coisas, muitas vezes os detalhes desaparecem.

         Muito embora eu não tenha total isenção, por ser o narrador-personagem, o fato é que, sem eira nem beira, Joaquim tomou do facão, muito provavelmente um resquício de ódio represado (como vamos saber?) e ergueu-o contra mim. Não esperei para saber por que lógica aquela ponta me encarava e se erguia por sobre minha cara.

      Corri, mas corri muito, via-o e/ou sentia-o atrás, no vácuo, deduzindo a investidura ameaçadora da arma branca contra minhas costas. Desabalei pelo acesso ao portão da frente, pequeno corredor que ladeava a casa, saí pelo portão da casa dele, precipitei-me na rua, decrevi um curva que, ao mesmo tempo que me fazia afastar-me, projetando-me para fora da calçada,  ele no meu encalço, porque era necessário guinar abruptamente à esquerda para, ao mesmo tempo, sair da rua, de novo para a calçada, agora em direção ao meu portão.

       Não fui perseguido até o meu portão. Percebi, por instinto ou reflexo, o que funciona nessas horas, que ele não mais me perseguia. Ora, deve ter sido, evidentemente, pura curtição, usando o termo de hoje. Ergueu ameaçadoramente o maior facão da cozinha  que, hipoteticamente, serviria para abrir cocos, contra mim, porém por pura curtição. Internei-me refúgio adentro do corredor de minha casa.

      E, se o efeito era assustar-me, mais ainda, terrificar-me, aterrorizar-me, Joaquim conseguiu. Nunca mais usei com ele meu espírito conciliador. Serviu para classificar esse meu vizinho de louco. Nem digo que o fosse. Foi por margem de segurança. 

       Se também não me falha a memória, lenda urbana, contava-se na escola que o pai deles, militar do exército, usava a fivela de seu cinturão para discipliná-los. E a vizinhança sabia, pelos gritos ouvidos. Joaquim e o irmão estudavam na Paraná. Por isso, a razão das conversas ouvido a ouvido. Allegro ma non troppo, ainda uma última da família, foi a visita, não sei se no hospital ou na própria casa da vizinhança, aliás, o que era muito corriqueiro de meus pais, devido a um (in)acidente com o irmão do Joaquim, aquele acima do que me travou no dia do ilícito delinquente.

       Ora, mas vejam o incidente. Ele, o mesmo terceiro irmão do dia fa(cão)tídico, subiu no coqueiro, embora da outra vez, do dia da corrida desabalada, com facão em riste, esperando o uso lícito, desta vez ele deve ter tentando, com um cabo de vassoura, os dos anos 60 eram madeira pura, sem retoques. Deve ter cutucado o coco, o coco não caiu, encostou no tronco o toco, subiu pra pegar o coco, caiu bem em cima do toco de pau do cabo de vassoura. Sim: na posição que você está pensando.

          Isso mesmo. Uma ruma de vizinhos se mexeu. A correria fez todos afluírem ao portão de sua casa. Foi possível vê-lo carregado para um dos carros da vizinhança. Sabendo do sinistro, vê-lo hirto como tábua, conduzido pelos vizinhos, até o carro de socorro, foi assustador.

        Mas a corrente de solidariedade logo se impôs. Lá em casa, certamente, oramos por ele. A vizinhança era assim. Foi assim também, quando o vizinho defronte, outro corredor, este mais estreito, não era uma vila, apenas acesso, como o meu, a essa casa bem em frente, numa certa noite avistamos um clarão, era o Jeep dele totalmente tomado por chamas. Acorreram todos e pouco se pôde fazer.        

          Dia seguinte, fui conferir a ruína em cinzas que sobrou. Diz que ele chegou a se queimar, nada que lhe pusesse em risco a vida, tentando fazer o carro descer a rua, quem sabe, o vento contrário apagaria o fogo. Um desespero. Provavelmente, outra lenda urbana (o caso da tentativa do método de apagar o incêndio, mas houve comentário entre nós, lá em casa), sendo o restante aqui descrito um tiro certo da memória. 

       Por falar nisso, o homem do fogo foi o mesmo que engoliu o roach, que sujeito azarado, prendeu-se-lhe na garganta. Era um apetrecho cuja forma, composta por uma montagem de metal, nos contornos da arcada dentária, trazia embutidos, como prótese, os dentes ausentes. Cirurgiado, ele se refez. Sempre associado às duas tragédias, as melhoras desta última soubemos por terceiros.

       Típico da época, em que só o telefone preto fixo e enorme encurtava distâncias. 902395  foi o número CETEL, subsidiária que substituiu o monopólio e se tornou concorrente da CTB, a partir de 1965.

       Quando o Estado da Guanabara se tornou o que hoje é o município do Rio de Janeiro, em 1975, a CTB virou TELERJ, Telefones do Rio de Janeiro, até que em 1998, após o leilão da privatização do governo FHC, CETEL e TELERJ são absorvidas pela Telemar. Nosso número TELERJ foi 249-7756, mudado, após a ida para o Meier, para 597-7756. Usamos para falar com Dorcas até sua despedida, em 2016.


Logotipo da CETEL
numa tampa de galeria.






CETEL - 902395

Essa casa antiga, com esse
corredor de acesso, conserva
o tipo comum da época:
o vizinho do Jeep morava 
à direita. Foto do sobrado
amarelo abaixo. 

Por esse portão estreito,
há mais de 50 anos atrás,
desabalei, para não ser
cruelmente degolado.
Por ele também saiu
carregado o rapaz do toco.

Neste local havia uma
casa antiga, com um
acesso semelhante ao
indicado acima, onde
residia o dono do Jeep.




         


             

      
         

       

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