terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

      Há um mistério.

      Blog é mesmo algo vababundo. Como também pode se tornar vagabunda a atividade da escrita.

      Eu, por exemplo, devo tê-la herdado dos antepassados. Passei a exercê-la, mais recentemente, digitando o teclado do smartphone.

       Acompanhava aquela que, com certeza, me foi o principal antepassado, Dorcas, minha mãe. Que reclamou, à epoca dessa assistência, por que eu tanto digitava.

      Havia um mistério. Há um mistério. Dorcas minha mãe partilhava dele. Que mistério? Não se explica. Na vida, há coisas que não se explicam.

      Os antigos viviam esse mistério. Não tiveram smartphone que digitar neles, nesse teclado miúdo e para nós, agora, tão essencial.

       Vai amanhecer aqui. Misturou-se comigo, de novo, a vigília vagabunda que às vezes me acomete. Lembrei das vigilias no hospital, lembrei de digitar e me veio essa ideia.

      Antes que amanhecesse resolvi escrever sobre esse mistério que nossos avós e bisavós antepassados mesmo experimentaram e nos legaram.

      Há bondade nesse mistério. Não havia para eles esse teclado essencial. Mas o que para eles foi essencial nos trouxe à existência. E não somos apenas o acaso de sua reprodução. Não.

        Por casusa do seu amor. Por causa da sua dedicação. Por causa da sua garra. Desculpem citar a Bíblia, mas lá há uma frase que diz "da fraqueza, tiraram força".

       Eles nunca souberam o que era fraqueza. Houve pobreza. Era outro tempo. Sabemos um pouco de sua história e do que viveram. Os mais velhos entre nós conhecem e lembram melhor.

      Mas mesmo nós, os primos, em torno de 60 anos, mesmo os que correm atrás, para alcançar (ou os que já alcançaram) 40, mesmo meio século, vá lá, os de 50, acusam, entre nós, esse mistério.

      De bondade. De amor. De dedicação. De saudade. Gi fez aniversário e lembrou daquela que chamava Irmãe, Dorcas vivia esse mistério na prática. E Moisés, de quem ela também lembrou?

     O humor de Moisés replicava naquele de Onésimo, que provocava qualquer um na família, gozações até com tia Zila, reverberando nas gargalhadas do Marcelo.

       Gi é a mãe do delegado da família e mais dois médicos. Vigília de delegado e de médico não é vagabunda. Ali, sono, salto, urgência e emergência têm outro sentido. Pura lucidez.

      Delegacia e Pronto Socorro, por ali a vida dá lições que não deixam a realidade escapar. Amanheceu. Mas o mistério não se explicou. Ficou no passado.

     Quem sabe na beira do rio onde pescava o bisavô. Talvez mesmo o pai dele. Na beira do fogão, ainda a lenha. Noutra vigília, à luz de vela, por causa da febre de um desses meninos.

         Quem sabe num diálogo entre a tia Zilda e a avó Dorcas, no Engenho de Dentro. Ou no andar gingado do Manoel Inácio, aprendido com os antepassados negros dele lá em Mossoró.

          Ou tenha a ver com a veia poética de Tula, também presente no cunhado Nelson, este inventor da geringonça  ainda presente na memória de Eunice, para dar sorvete às crianças na década de 40.

          Mistério. Bondade. Dedicação. Amor. Gozado, como conseguiram viver sem smartphone?

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