sábado, 1 de outubro de 2016


    Acho que parecia uma aldeia.

    Uma imagem distante no tempo, lembra-me o quintal imenso da casa de equina da mãe de tia Iracema, ali na Oswaldo cruz, bem defronte ao 306 da vó Eunice.

    Nem adianta Lyndon, Lincoln e Gueguei tentarem lembrar: definitivamente, não foi na geração deles. Foi antes. Havia uma pilha de caixotes de feira, do Bide, empilhados fora, no terreiro. Naquele dia, estávamos indomáveis.

     Tio Ebinho, caramba, até ele, com aquele porte hercúleo, já havia despontado à porta dos cômodos dos fundos, onde morava a família, para tentar pôr freios.

     Ora, ensimesmado como era, se até ele interferira, é porque, naquele dia, Eliana, Cid Mauro, Bêla, Nanica e sua turma, desculpem o termo, estavam endiabrados. Binho, coitado, o menor e mais inocente de todos, só ria, sorria, com esse riso até hoje debochado.

      Acho que até Senhorinha veio à porta conferir, para ver se acreditava. Tivemos mesmo que nos separar, porque a rivalidade dos apelidos ultrapassou a tolerância, que nem era zero. Eu corri para a casa do outro lado da rua.

     Iracema era a mais tranquila. Sempre com o olhar grave de sempre, sorriso econômico, dissimulado, apenas advertia, com um muchocho, arregalando os olhos e falando baixinho: Olha o Ebinho, gente.

     Mansidão, se não me engano, jeito e gesto para administrar o gênio do esposo, lembram-me tia Iracema. Sim, e daquela vez em que cheguei, agora já beirávamos os 18 anos, pouco mais, pouco menos, já na casa atual?

    Tia Iracema jogou as mãos e olhões pro céu, "Cid Mauro, foi Deus que te mandou", disse ela. Eu, sem entender, mas logo depois inteirado, fui buscar Bêla ali ao lado, pertinho, numa reunião pouco ortodoxa, de descarrego.

    Só para lembrar, na década de 70 a Universal ainda não as realizava. Cara, até hoje, na memória, soa o ponto que iniciava essa tal sessão onde a mais velha foi se meter e de onde, sob peia, como chamam pisa aqui no Acre, tio Ebinho havia prometido tirá-la.

     Como havia esquisitices nos homens dessa família! Desde Nelson, passando por Tula, distribuídas por Baldomero filho, Éber e Onésimo. Mulheres que casaram com esses homens, tiveram que treinar diplomacia. Nota 10 para Iracema, com louvor.

     Deus é tão bom que bloqueou essas esquisitices naquela geração. Mas atenção, Cid Mauro e demais primos: vamos esperar a velhice bem cuidados e prevenidos, isolando esse DNA.

     Deus, foste bom também e principalmente por essas mulheres, como dádivas, esposas e mães, diplomatas com esses homens complicados. Devemos a vocês que não houvesse traumas ou, os que houve, soubemos tratar e não passá-los a nossos filhos.

    Estamos envelhecendo, primos. A turma do quintal do Bide já beira os 60: cabelos brancos, rugas, dores ósseas e lombares. A geração Gueguei ainda está assistindo, de camarote. Mas todos nós herdamos uma herança.

      Herança de bondade. Talvez uma pista dela a gente tenha visto nos olhos de Eunice avó, quando sorria: eles quase desapareciam, contraídos, quase totalmente fechados, o que dava ao rosto um desenho de rosto inteiro, sorriso enorme, lindo.

    Todo aquele rosto sorria. E as filhas leram o que havia por detrás, raízes desse sorriso, que  era a bondade de Eunice. Acho que as noras também aprenderam com esse sorriso. E acho também que souberam transmitir bondade.

       Sorrisos lindos, de Zila, de Francisca, de Iracema este, talvez, o mais disfarçado e dissimulado. Mas os olhões sempre atentos. Geraram filhos dessa aldeia. Como já disse, nem homens, nem mulheres perfeitos.

    Porém, transmitiram uma bondade vista, aprendida e legada como herança. Por isso nos sentimos uma aldeia de uma grande família, uma bondosa família. A Bíblia diz que é a bondade de Deus que nos faz bons.

     O segredo de Eunice avó. Venceu Tula por sua bondade. Continuemos assim, com olhões bem abertos, vigilantes, para que nada e ninguém nos roube a bondade.

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