domingo, 20 de março de 2016

Mal traçadas linhas 15




         Repetição. Repetição. Repetição.

            Ctrl C. Ctrl V. Jesus, no assim denominado Sermão do Monte, diz: Não useis de vãs repetições. Há, pelo menos, dois sentidos de repetição: um deles, positivo; o outro, esse destacado por Jesus, negativo.

             Eu, por exemplo, já contabilizo uns mais de 35 anos de sala de aula. Professor, na vida. Pois nessa profissão, a repetição é chave para a compreensão e para a condução do aluno ao sucesso. E eu repetia, porém nunca exatamente do mesmo jeito, minhas aulas, muito embora saibamos que, mesmo variando a forma de apresentação, na vida de professor o conteúdo, muitas vezes, tem mesmo de ser repetido.

           E o pôr do sol? Que desde que mundo é mundo, se repete? Nunca deve ter sido do mesmo jeito e a própria Bíblia diz que, nesse descanso do sol, do nascer ao poente, por toda a terra, na linguagem do silêncio, proclama-se a glória de Deus. Árvores da Magalhães Couto. Minha mãe reside nessa rua desde 1967. Eu residi nela desse ano aí até 1993. Pois quando aqui chegamos, muitas das árvores que aqui ainda estão, com seu velho e escuro tronco retorcido, em estado de arte, já existiam. E nenhuma delas teve, em todos esses anos e nem antes duas folhas, sequer, absolutamente iguais. Neste caso, não houve repetições.

             Repetir aquele sorvete. Mas cuidado com a gordura. Já passou dos 35 anos? Mais cuidado ainda. Aliás, mesmo antes, não se pode abusar com doces, comidaria, gordura, refrigerante, enfim, gula: vivam as nutricionistas! Cuidado, nesse caso, com repetições. E a mágoa? Tem alguma? Quantas? A Bíblia diz que não devemos deixar brotar, porque mágoa gera raiz de amargura e isso contamina. Que tal repetir toda a cena na sua mente? Repetir, revisitar toda a história, rever com detalhes a sua versão dessa mágoa, sabe para quê? Para que venha o perdão: santo remédio de Deus este remédio, o perdão, repito.

           Deus revisitou o nosso pecado, o meu e o seu, na cruz. Pecado tem muito de repetição. Quem diz que não repete pecado, segundo João Apóstolo, em sua 1ª carta, chama Deus de mentiroso: quem não confessa que repete pecado, mais do que mentir, está chamando Deus de mentiroso, porque é Deus que aponta o meu e o seu, o nosso pecado, visando que nos arrependamos. Se Deus revisitou e reviu o nosso pecado na cruz e continuamente nos perdoa, como é que não vamos, na mesma medida, perdoar? A Bíblia, em mais de um lugar, diz que devemos perdoar do mesmo modo que Deus perdoa. Repetição tem a ver com perdão, perdão tem a ver com repetição.

         Mantra. Tenho muito respeito pelas religiões. Não sou muito entendido nelas, mas a importância que costumo dar a elas está na medida do valor que a elas dão os seus seguidores. Explico e vivo dizendo que qualquer pessoa é sempre mais importante que a religião que ela professa. Nenhuma religião, por mais antiga e complexa que seja sem importar os milhões, a quantidade de seguidores que tenha, considero mais relevante do que uma ou qualquer pessoa. Mantra é repetição. A religião hindu, da qual se originou o budismo, costuma utilizar mantras em suas sessões de meditação. Eu, ocidental que sou, acho que mantra é vã repetição. Pronto: está aqui uma variação de ótica, de visão entre dois modos de encarar religião.

            Repetição tem sua função. Deve ocupar um lugar de inteligente consenso e sabedoria. Vãs repetições, nas orações, são desnecessárias porque, além de Deus estar cansado de saber do que necessitamos, não é pelo muito falar ou pela muita repetição que seremos ouvidos. Mas repetir, na oração, uma história, um causo ou um problema, pode estar relacionado a sua solução, porque a oração permitirá sondar o nosso coração junto ao coração de Deus na melhor equação e lucidez da visão que Ele vai nos proporcionar. Nesse caso, repetição é positivo.

         Mas, por favor, para de repetir corinhos ou cânticos feios nos cultos, nos chamados períodos de louvor, como se fossem mantras, principalmente se a letra for pobre e não houver harmonia, ou seja, respeito ao estado de arte, que é ajuste de letra à melodia. Há aqueles de boa letra e melodia ruim, ainda vale, porque a letra compensa. Mas há aqueles de letra ruim que, mesmo com boa música, não dá para engolir. Música na igreja tem que respeitar subordinação ao texto da Bíblia. Ela não é, em si mesma, uma finalidade, mas sua função é ressaltar a beleza, grandeza e advertência do texto bíblico. Repetição aqui é puro mau gosto, se não for respeitado o estado de arte, se não for respeitada a harmonia.

      Há repetição e repetição, um jeito e outro, uma oportuna e necessária, outra inoportuna e desnecessária. Eu, para não me tornar repetitivo e chato, encerro. 

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