sábado, 25 de abril de 2015


 Uma estalagem à beira do caminho.

            O profeta Jeremias, diante do dilema que seu ministério lhe representava, certa vez desejou a possibilidade de uma fuga de sua dura responsabilidade. Isso porque sua penosa tarefa era denunciar Judá como reincidente no mesmo pecado de sua irmã Israel e condenado ao mesmo doloroso remédio: o exílio. Se aquela, Israel, a irmã adúltera, como Jeremias se referia à traidora do Senhor, idólatra, imoral e corrupta, foi enviada à Assíria, Judá, esta irmã que seguiu o mau exemplo da outra, seria enviada à mesma região, agora submetida à Babilônia.

             Era o Êxodo ao inverso. Se o povo fora retirado, a fórceps, do Egito, pelas mãos do Senhor, agora, contramão da história, retornaria ao cativeiro. Era uma realidade ao inverso, dura para Jeremias, que se constituía, como profeta fiel ao Senhor, em minoria, rejeitado que era até em sua pequena vila, Anatote, que ficava pertinho, a menos de 10 km de Jerusalém, a capital. Por isso, com o fardo de denunciar o pecado de Judá, do rei,de seus príncipes, anciãos, juízes, sacerdotes, enfim, até falsos profetas em maioria, todo o povo, e apontar na direção do exílio em Babilônia, Jeremias fantasiou fugir e, para tanto, como já tentara Moisés, esconder-se numa estalagem à beira do caminho. Desistir de tudo.

           Deus não permitiu. A Bíblia diz que o amor de Deus nos constrange, o que significa dizer, ficar sem saída, sem chance de escolha. Assim se sentiu Jeremias: Deus não o deixaria abandonar seu ministério. Nem para que fosse para a estalagem à beira do caminho. Jesus veio para instalar, à beira do caminho, a estalagem que não nos faz abandonar, rejeitar ou fugir, porém assumir o ministério. A igreja de Jesus é a estalagem à beira do caminho.

            Não entramos na igreja, não nos tornamos parte integrante da igreja, que Paulo, o apóstolo, diz ser parte integrante do corpo de Cristo, para fugir do mundo, para nos escondermos, para abandonar, por medo, as responsabilidades. Não. Somos feitos igreja para assumir a condição de servos, à serviço de Cristo, no mundo. Asim como Jesus Cristo apresentou-se ao mundo como servo de Deus, a serviço do mundo, a igreja é feita por Jesus, é composta, edificada por Jesus de servos de Deus, como ele, Jesus, a serviço do mundo.

             Estalagem à beira do caminho, porque se constitui num refúgio que supre acolhimento ao sofrimento humano no mundo. Nela Jesus protege aqueles a quem alcança com Seu amor. O homem não sabe identificar o que mais o aflige. E no seu desatino agride a Deus, a si mesmo e ao próximo. O maior problema no mundo é o homem e sua maldade. A igreja, a verdadeira igreja de Jesus é aquela que acolhe os que foram resgatados desse dilema e agora recebem, de modo permanente, o tratamento para a sua cura definitiva.

             Por isso a igreja é um lugar de paz. Mas ali se encontram os enfermos que, recentemente, foram recolhidos e ali abrigados. Costumo dizer que igreja é como um hospital especial, para um mal específico, que a Bíblia chama pecado, do qual hospital nunca receberemos alta. Por isso há quem estranhe a igreja e tenha reclamações do que ocorre lá dentro. Atribui seu distanciamento às decepções que teve, razão da sua saída da estalagem do meio do caminho. Mas o salmista, no Salmo 133, insiste em dizer que é onde o Senhor ordena a sua bênção, porque é ali onde os irmãos vivem em união.

               E não adianta tentar criar uma igreja à nossa imagem e semelhança, porque quem chama e quem constitui, quem dá forma à igreja é Jesus. É evidente, não adianta negar, que nem todos os que lá se encontram são, verdadeiramente, convertidos. Mas quem vai distinguir entre joio e trigo é Jesus, e não nenhum de nós. Se tentarmos, cometeremos injustiça e seremos culpados desse juízo, que a nós não compete. Então não diga que não vai para a igreja por causa dos defeitos que lá enxerga, porque os patronos desses defeitos ganharão mais uma, sendo sem razão usados como desculpa de seu afastamento. Você está lá por Jesus? Então é verdadeiro crente e nunca vai sair. E constitui-se num erro se os que lá estão entraram porque os influenciamos, e não foi em nome de Jesus que lá entraram, isso quando não somos nós mesmos e é por nossa causa que tantos ou quantos saíram.

               Mirem-se no exemplo de modelo dos que são padrão. Verdadeiramente padrão, tenha olhos de ver, para não trocar um pelo outro e mirar no mascarado. Em Jesus, todas as máscaras caem. Diante de Deus, como Adão e Eva, todos estamos nus. A roupa com que Deus nos veste é original, como ocorreu no Éden, e cobre a nossa nudez. O sangue de Jesus constitui-se no preço da remissão, purificando, como diz o autor de Hebreus, a nossa consciência de obras mortas para servirmos ao Deus vivo. Remissão é ter a dívida de pecado paga pelo sangue de Jesus.

              Certa vez, tentaram encurralar um verdadeiro crente do Antigo Testamento. Neemias foi chantageado por três tentativas de seus adversários. Numa primeira vez, chamado para acordos suspeitos, rejeitou. Numa segunda vez, uma carta aberta, que procurava detratar publicamente esse governador. Na terceira e última tentativa, convidaram-no para um encontro secreto no interior do Templo em Jerusalém. A resposta de Neemias, primorosa: homem como eu não entra no Templo para que fuja, para que se esconda, para que se proteja.

               A igreja, a estalagem no meio de nossa jornada, não se constitui num lugar de fuga do mundo. Também não é lugar onde quem entra, o faz para receber vantagens, auferir lucro para si. É um lugar, sim, de proteção, da angústia que aflige a alma, mas não é proteção para os covardes, do tipo entre os quais Neemias não se inscrevia. Não é lugar para alienados do mundo. Jesus integrou-se e interagiu com a sociedade de seu tempo. Na estalagem cabem muitos caminhantes. Daquele tipo que o servo de um Senhor exigente recolheu, numa parábola que Jesus contou, para uma festa programada.

                   Uma grande maioria de convidados não viu vantagem nenhuma em comparecer. Muito provavelmente não era, segundo avaliaram, para gente de seu nível. O dono da festa disse ao servo que passasse e repassasse pela cidade recolhendo todos que fossem periferia. Havendo sobrado lugar, ainda, mandou que chamasse mais gente mais à margem, dentre os que a si mesmos nenhum valor atribuíam.  A casa se encheu. Essa casa é a igreja. Somente vão à festa os convidados que a si mesmo nenhum valor se dão, tão à margem se encontram.  Mas na casa serão acolhidos pelo Senhor, receberão vestes, porque o convite feito, caso aceitem assim se classificar como dignos desse convite, é para que sejam lavados e limpos pelo sangue do Cordeiro.

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